04 - Insolação embaixo da árvore

3.2K 433 102
                                    

- A noviça Mary está provavelmente no jardim. Com as crianças... – disse a Madre Superiora deixando transparecer uma pitada de desgosto.

De fato, era lá que ela estava. Em meio a muitas crianças, cantando com elas uma velha cantiga de roda. Não parecia em nada com a freira muda que ele teve que se reunir no outro dia. Parecia ser animada, extrovertida e falante. Isto é, para uma freira. Ou melhor, noviça.

Era melhor ele se acostumar com essas nomenclaturas o quanto antes. Mas afinal, tinha alguma diferença?

Por falar em diferença, tudo isso que ela aparentava ser, mudou imediatamente quando os olhos dela bateram no seu. Era visível que ela tinha voltado a ser a noviça muda. E não era somente ele que tinha reparado a mudança. Haviam pequenas testemunhas do lado dele.

- Noviça Mary, porque você está com as bochechas vermelhas? – perguntou Angelina sacudindo as barras do hábito dela.

- Oras, deve ser pelo sol! – disse Mary como se não fizesse a mínima ideia do estado das suas bochechas.

- Mas você está embaixo da sombra da árvore! – contrapôs Angelina, numa observação muito inteligente, mas nada útil para Mary.

- Às vezes o sol bate em nossos rostos mesmo quando estamos na sombra, principalmente se ele está forte, como está hoje – disse Thed tentando de alguma maneira ajudar a pobre noviça que só fazia ficar cada vez mais vermelha.

De uma maneira que nem mesmo uma insolação poderia justificar tal coloração.

Mas no mesmo instante em que concluiu a frase, se arrependeu. Muitos pares de olhos surpresos olharam em sua direção, e agora parecia ser ele o alvo da atenção daquelas crianças astutas. E não era uma sensação lá muito confortável. Ele já quase desejava que as crianças notassem o novo tom rubro nas bochechas da noviça.

Mas logicamente, não foi isso o que aconteceu. Na verdade, além de ele ser foco da atenção das menininhas, também se tornara alvo das suas perguntas.

Que foram feitas simultaneamente e num curto especo de tempo:

- Como o senhor sabe disso?

- O senhor é especialista em sol?

- Isso nunca aconteceu comigo!

- Nem comigo!

- Afinal, quem é o senhor?

Quando ele teve certeza de que não conseguiria sair daquela enrascada interrogativa, a noviça intercedeu para salvá-lo.

Quase como um anjo.

Ela se colocou na frente de todas as crianças e de costas para ele, bloqueando a visão das menininhas para o seu rosto lívido. E explicou de maneira calma e com uma voz melodiosa que parecia que ainda estava cantando aquela cantiga de roda que reinava quando Thed chegou.

- Meus anjinhos, esse senhor é um homem muito importante, ele é o senhor dos números da nossa escola, e eu agora tenho que ir com ele trabalhar nos números. Então se comportem e sejam boazinhas com ele... E comigo!

Explodiu-se uma onda de risadas infantis, e uma voz rosinha que dizia:

- Sempre somos boazinhas com você, noviça Mary. Você mesma nos diz.

- Isso eu não posso negar – disse Mary enquanto passava a mão na cabeça da menina loira. Tentando pensar em algo engraçado para dizer, para que assim pudesse adiar um pouco mais sua reunião com Thed.

Sua mente parecia paralisar quando ele estava perto, era vergonhoso, e não tinha outra opção a não ser acompanhá-lo e voltar ao trabalho.

Quando ela se virou, Thed deu um passo nervoso em sua direção, tentando se explicar, de alguma maneira. Por alguma razão que nem ele mesmo conhecia.

- Desculpe a interrupção, e desculpe também por chegar adiantado, mas, se a senhorita puder, poderíamos começar agora o trabalho? – disse ele com torpeza começando a se refrear pela sua falta de jeito em se expressar.

Mas sua auto-repressão não teve muito tempo para se manifestar, já que a visão da Noviça Mary juntado as mãos na parte dianteira de seu hábito e dando um pequeno aceno de assentimento com a cabeça o devolveram à realidade.

Uma realidade aparentemente bem silenciosa, pra falar a verdade.

Caminharam em silêncio até a sala em que trabalhavam, e enquanto se instalavam no cômodo transportando os papéis e cadernos da estante para a mesa, permaneceram no mesmo estado. Thed, na realidade, tinha muito que dizer, muito que agradecer, tanto por ela salvar sua vida profissional e financeira, como também pelos falsos elogios que ela lhe dedicou no jardim. Foi muito gentil da parte dela. Mas já que ela preferia permanecer em silêncio, assim seria. Não perturbaria mais a jovem noviça, ela já deveria estar farta de suas falas tão desinteressantes.

Bem que sua mulher já tinha falado...

Mary estava perdida, ou melhor, preferia mil vezes estar pedida a se achar ao lado de Theodore Hopkins. Sabia que era feio para uma quase-freira ter tal desejo. Achava até que uma quase-freira jamais poderia empregar a palavra desejo numa frase, nem em pensamendo. Mas não conseguia evitar. Ele deixava-a nervosa. E poder sentir o olhar dele sobre si deixava-a ensandecida. Tinha que fazer e refazer as contas constantemente, e tratar deixar de pensar em como estava a expressão dos olhos dele naquele momento.

Será que estavam brilhantes como quando ele sorriu para ela no dia em que se conheceram? Ou estavam vacilantes como sempre tem estado atualmente?

Não. Não estava certo ficar pensando em tamanhas inutilidades. Tinha muitas contas pela frente. Não podia parar agora. Mary se decidia como se aquilo fosse tirar a visão dos olhos esmeralda que se formou em sua mente.

Tentou ver o lado bom: só mais alguns minutos e já estaria livre daquele trabalho, principalmente daquele olhar. Tentou se concentrar mais uma vez nas contas, mas quase podia sentir sua mão direita arder em chamas, sabendo que era ela o alvo dos olhos de Thed.

Sua natureza calma fora construída muito recentemente, e ainda era muito frágil para poder suportar tamanho tipo de provação. E uma pergunta histérica escapou entre seus lábios antes que ela pudesse conter:

- O que tanto está olhando? – disse finalmente encarando ele nos olhos, tendo livre acesso a imensidão verde que estava justamente a sua frente.

____________________________________________

SEMPRE NA BATIDA DO GONGO, cá estou! Cá está outro pedaço da Mary e sei que esse ficou bem pequeno, mas eu não tinha noção de tamanho de capítulo em 2008, desculpa :(

Em circunstâncias normais eu aumentaria o capítulo, PORÉM essa semana tá bem louca, bem louca mesmo! Ontem dei uma palestra num colégio e amanhã vou dar em outro! Ou seja!!! Já passou da hora de eu estar dormindo! Ou seja!!!! Boa noite e desculpa a falta de procutividade, vou tentar compensar no domingo!  


ParaísoWhere stories live. Discover now