020 - Uma rotina inquietante

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Mary saiu do seu quartinho na ponta dos pés. Foi caminhando pelos corredores mal iluminados do colégio. Era tarde da noite. Há muito já havia passado da hora das alunas dormirem.

E ela esperava que assim elas estivessem: dormindo, placidamente, sonhando com os anjinhos.

Não que isso fosse mais de sua responsabilidade. Mas torcer pelo melhor não fazia mal nenhum, fazia?

A Madre foi benevolente o bastante para não a expulsá-la do Colégio a deixando completamente sem abrigo. "Pelo menos por enquanto" foi o que a religiosa disse.

Mas a idosa não manteve a mesma generosidade quando o assunto passou para a volta do noviciado. Na verdade, ela se recusou terminantemente. Sem se importar com quantos argumentos Mary insistia.

Mesmo assim a ex-noviça continuava desempenhando suas funções de noviça sem que nada tivesse mudado. Só o seu hábito que foi substituído pelo vestido marrom que ela roubou dos pertences que foram deixados para trás por uma ex-aluna.

E entre suas funções de noviça, estava fazer a ronda no quarto das alunas para ver se estavam todas dormindo direitinho. E se certificar que nenhuma delas tinha cometido a loucura de fugir.

Com o escândalo da fuga de Gwen LaDonne tão recente, a tarefa foi confiada às duas freiras mais experientes do Colégio. Mas Mary pensava que não faria mal se a ronda fosse feita por mais uma integrante.

Ela, no caso.

Uma integrante discreta, que prometia a si mesma que ser imperceptível em seu serviço. Iria abrir a porta dos quartos tão silenciosamente quanto caminhava. As alunas nem sequer iriam notar sua presença no quarto.

E as freiras experientes tinham que ir exatamente pelo mesmo caminho. Ela não queria arrumar confusão com ninguém, longe dela. Principalmente porque agora estava morando ali meio que de favor.

Por isso ela checava quarto por quarto com absoluta descrição. Sendo a boa profissional de inspeção que sabia que era.

Tudo parecia em ordem, os suspiros reinavam em cada um dos cômodos. A ex-noviça deixava cada um deles com um alivio otimista, se dirigindo logo em seguida para o próximo.

Foi de quarto em quarto deixando por último o que mais a interessava: o das meninas do jardim de infância.

Tinha levado um susto ao ver o rostinho redondo e tristonho de Margot no meio das alunas em forma naquela manhã. Uma das freiras experientes disse para Mary que a criança era uma das internas agora, que tinha sido deixada ali na tarde anterior.

Mary teve que esconder o rosto com o cabelo para mascarar sua reação. Era uma coisa boa que agora pudesse usar esse recurso do cabelo. Era a única vantagem de não poder mais usar o hábito. 

– Deixada por quem? – a ex-noviça perguntou com a voz mais normal do mundo.

– Sei lá. Pelos pais? – a freira palpitou.

– Pelos dois? – Mary perguntou com a voz menos normal do mundo, num tom esquisito que sobressaiu ao cântico das alunas.

– Shhh.

A freira virou para frente e esse foi o fim da conversa.

Era por isso que Mary prendia a respiração ao entrar no quarto das criancinhas menores. Queria se certificar que Margot estava bem. Só isso.

Era pedir muito?

O rostinho dela naquela manhã não parecia dos melhores. O que podia muito bem ser efeito de ela ainda não saber exatamente a letra dos cânticos. Mas também podia ser outra coisa.

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