07 - Consequências de uma cor de caneta errada

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O que seguiu o grito de Mary foi um silencio quase glacial. E Thed teve que reconhecer que ele, realmente, na maioria das vezes, se considerava um pouco triste. Não tinha como não assumir, nem que fosse apenas para si mesmo, em meio a um silêncio tão palpável. Mas como uma vida como a que ele levava, ser feliz ficava difícil mesmo.

Tudo bem, talvez fosse um pouco pessimista. Mas isso não era nenhum pecado capital como a Noviça Mary pensava. Na verdade, era bem até plausível, tendo em vista o mundo péssimo no qual ele estava inserido.

E Mary, por sua vez, no seu canto da sala, estava paralisada. Torcendo um pouco contra, mas ainda assim esperando que a Madre a qualquer momento fosse entrar porta adentro e lhe expulsar do colégio pela gritaria dela. Tinha certeza que mais tempo, menos tempo isso ia acabar acontecendo caso ela continuasse sem conseguir se controlar.

E se isso não tinha acontecido naquela tarde, ela tinha que levantar as mãos pro céu e fazer suas preces.

Como pode deixar as coisas voltarem a esse ponto tão rápido? Era só por que ele estava ali na mesma sala que ela? Quer dizer, sinceramente achou que já tinha passado dessa fase de adolescente escandalosa. E não esperava por uma atitude tão mundana de si mesma. Fazia anos que não se comportava de maneira tão vergonhosa! Impulsiva! Não era de se estranhar que ainda não fosse freira, com um comportamento deplorável desses...

Só mesmo Thed e suas vibrações negativas para fazê-la perder as estribeiras dessa maneira.

- Talvez devêssemos voltar ao trabalho – disse Thed ainda com um pouco de receio de que ela fosse voltar a gritar de forma estridente.

Mas Mary estava tão emersa em suas auto-repressões que nem ao menos o ouviu, só teve tempo de segui-lo em direção a mesa e retomar as anotações de onde tinham parado. E só nesse momento se deu conta que tinham caminhado uns bons passos em direção à porta em meio a discussão. Santo Deus, como estava alterada! Podia ver sua mão tremer e sentir seu coração bater no meio da garganta. Que sensação desagradável. Leu uma vez num livro que coração batendo fora do lugar era sinal de loucura.

Aquilo era culpa de Thed.

Não dele em si, pobre rapaz, tinha grandes problemas em ver o quanto o mundo era maravilhoso. Mas tudo bem, pensou Mary com perspicácia, todo aquele constrangimento tinha uma resolução muito simples: era só recompor a calma, respirar fundo, cheirar a florzinha, assoprar a vela e toda aquela coisa que ela falava para suas crianças quando elas estavam agitadas demais. E assim começou esse processo para logo depois se sentar com uma postura adequada na cadeira e pegando sua caneta vermelha para anotar os gastos.

Tudo parecia muito calmo agora, mesmo que as mãos de Mary ainda não estivessem firmes o suficiente para fazer uma caligrafia bonita. O único que se ouvia na sala era a voz de Thed com um tom bastante monótono ditando os valores dos gastos. Nada de gritos.

Tudo estava quieto demais, pensou Thed com um pouco de temor. A Noviça Mary, por natureza, era uma pessoa ruidosa, se não estava falando, estava rindo se não estava rindo estava dando algum suspiro com o objetivo de criticá-lo. E se não estava fazendo nenhuma dessas coisas, estava criticando-o com palavras mesmo. E agora com só ele falando números atrás de números, chegou a uma conclusão muito pouco agradável em relação à falta de ruídos de Mary.

- Por favor, não vá ficar muda novamente.

Ela o olhou como se ele fosse a personificação da mula-sem-cabeça. E depois que inspirou uma grande quantidade de ar, falou com a doce e conhecida voz melodiosa.

- Nunca fui muda, senhor Hopkins, com a graça de Deus.

Só que dessa vez, a melodia soou bem falsa.

ParaísoWhere stories live. Discover now