06 - Mais que contabilidade, uma lição de vida

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Ao chegar a sua casa depois de toda aquela tarde de trabalho, Thed só conseguia pensar em duas coisas: aprender mais contabilidade e descobrir, por fim, qual era a diferença entre freira e noviça.

Ou seja, ainda mais trabalho.

Mas essa tarde ele aprendeu que trabalho não é uma coisa necessariamente ruim. Não precisava ser, não deveria ser, e qualquer um veria isso se observasse por cinco minutos aquela noviça trabalhando. Ela era a perfeita imagem da satisfação e do engajamento. Por isso, Thed resolveu se espelhar na imagem dela para dar continuidade ao seu trabalho em casa. Era um bom incentivo.

Começou buscando um dicionário da língua portuguesa para enfim desfazer essa confusão em sua mente.

Havia começado com os significados por uma razão obvia: era o mais fácil.

Fazia tempo que não abria um dicionário, ou qualquer outro livro, diga-se de passagem. Antes parecia que ele não tinha muito tempo para isso, mas agora era muito mais fácil arranjar momentos de paz como aquele, desde que deixou de ser convidado para festas e eventos sociais beneficentes.

Em poucos minutos achou os significados e anotou em um papel qualquer para que as definições ficassem mais claras em sua cabeça. Não que fosse difícil, mas Theodore não se considerava exatamente uma mente brilhante...

- Porque ao invés de estudar coisas que nunca vão entrar em sua cabeça, você não começa estudar algumas regras de etiqueta ou algo que nos ajude a voltar para o nosso círculo? – perguntou sua mulher da maneira mais simpática que alguém pode ter de interromper o estudo de alguém. Deixando bem claro que não era apenas Thed que acreditava na inferioridade da sua mente.

- Porque etiqueta não vai colocar dinheiro no meu bolso – disse ele sentindo que todo seu bom humor da manhã tinha ido embora.

- Ah! E o que você pensa que vai por dinheiro no seu bolso? A firma do seu avô? – perguntou Christine como sempre com uma doce voz, fingindo uma simpatia que não existia. – O que algum dia pode nos dar algum dinheiro são os contatos, Thed! Será que seu avô não conseguiu te ensinar nada?

- Meu avô me ensinou muitas coisas – disse ele, tentando com cada fibra do seu ser não levantar a voz.

Sabia que uma briga era pior do que uma discussão. E sabia também que sua relação com Christine (se é que havia alguma relação) não sustentaria mais uma briga. Sendo assim, fazia o possível para evitar atritos. Diminuía o tom de voz, abaixava a cabeça e muito freqüentemente, engolia ofensas inaceitáveis para qualquer outro ser humano que tivesse em sua posse alguma pequena dose de orgulho.

- Lógico que ensinou. Mas você não aprendeu. – acrescentou Christine com um belo sorriso antes de sair da pequena sala e fechar porta com delicadeza atrás de si.

Mas ela tinha razão, Thed não havia aprendido. Não havia aprendido a usar as pessoas como degraus, nem tinha talento para bajulações. Não tinha um vocabulário refinado. Nem boa postura diante de seus superiores. Em um panorama geral, quase nada do que seu avô tentou lhe passar enquanto vivo foi aproveitado depois da sua morte, nem mesmo seus estudos de contabilidade.

Porém, nesses estudos tivera uma segunda chance, e não a deixaria escapar dessa vez. Faria isso pelo seu avô, por ele mesmo e pela pobre noviça que tão pacientemente se dispôs a lhe ajudar enquanto faziam o trabalho.

Não seria fácil, já que sua capacidade de aprendizado não era das melhores, como sua doce mulher fez questão de lembrar sempre que tinha a mínima oportunidade.

Mas uma coisa que seu avô lhe ensinou, ele de fato aprendeu foi: se não for pela inteligência, que seja pela persistência. Foi assim que seu avô saiu de um casebre de madeira e foi parar em festas sociais no Palácio Municipal. E seria assim que Thed sairia da mediocridade e aprenderia a mexer com os números.

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