Uma família feliz.

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Não conseguia enxergar nada. Era sempre assim. Sempre o mesmo sonho, a sensação de que o lugar era conhecido não a deixava nunca. E também tinha aquela outra sensação, de ficar sempre alerta, caso precisasse fugir a qualquer momento.
Uma porta se abria e ela andava devagar e cautelosa até ela. A luz que entrava iluminava um pouco do ambiente, uma cômoda com seis gavetas, uma cama que parecia saída de um filme antigo, com cortinas e colchas decoradas. Nada muito revelador já que ela sempre saia pela porta aberta, mas quando olhava para cama, era como se alguém estivesse dormindo por baixo das camadas de cobertores.
Ao sair, ela se deparava com uma floresta densa. O sol quase não passava pelo teto de árvores que se formava acima dela. Tinha que tomar muito cuidado para não tropeçar nas folhas secas e raízes que saltavam do chão como se fossem armadilhas prontas para derruba-la.
Era quente e o suor escorria por suas costas, quando se dava conta estava com um vestido nada apropriado para uma caminhada ao ar livre. Mais a frente conseguia ver uma silhueta encostada em uma árvore como se a esperasse. Queria correr para abraça-lo, sentia como se já conhecesse a pessoa a muito tempo. Mas como nos sonhos nada sai como planejado, ela andava cada vez mais devagar. Um ruído alto como sirenes começou a encher seus ouvidos, fazendo-a se abaixar e cobri-los. Estava muito alto. Sua cabeça ia explodir.

Quando acordou, estava suada e com as cobertas enroladas pelo corpo, aquele sonho era recorrente há dois anos e nada tirava da cabeça de Lily que ela conhecia tanto a pessoa que dormia na cama quanto a pessoa que a esperava no meio da floresta. E ela sempre acordava no mesmo momento, nunca conseguia saber a identidade daquelas pessoas misteriosas.

O barulho ensurdecedor era do despertador gritando ao seu lado para dizer que era hora de levantar. No auge de seus 16 anos ir para a escola na hora era uma de suas poucas obrigações.

Com muita força de vontade se arrastou até o banheiro e ligou o chuveiro, a agua quase fria a fazia despertar para mais um dia cheio. Estava com uma sensação ruim e sempre que sentia isso significava que seu pai estava prestes a chegar em casa. Não que a sensação em si fosse ruim, mas o que vinha depois era.

Vinte minutos em baixo do chuveiro e ela estava nova em folha, se não fossem pelas olheiras profundas de noites cansativas com esses sonhos malucos, nem dava para dizer que dormia apenas duas ou três horas.

Após se vestir desceu as escadas em direção à cozinha de onde vinha um cheiro delicioso de café.

- Bom dia mãe! - Lily deu um abraço carinhoso na mãe que parecia exausta.

- Bom dia filha!

A mãe de Lily, Zina, trabalhava em dois hospitais e estava sempre cansada, mas nunca reclamava. Depois que começou a trabalhar no Hospital Regional São Miguel Arcanjo já tinha recebido inúmeros presentes, cartas, homenagens, pois nunca desistia de ninguém, nunca.

Desde seu começo no hospital, de todos os paciente que cuidou perdeu apenas dois, que morrera tranquilamente, com sorrisos no rosto que duraram até o funeral. Parece macabro mas ela confortava as pessoas mais desesperadas, deixava-as tranquilas.

- Pode deixar que eu termino isso!

- Kemilly é só uma caneca.

Zina estava lavando a pouca louça do café, quando Lily lhe deu um empurrão gentil com o quadril.

- Deixa comigo, vai descansar agora.

Zina beijou o rosto da filha e subiu as escadas, aquela sensação de que algo ruim estava para acontecer a distraiu por alguns instantes.

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