Era bem de manhã, quase de madrugada, pouco depois do amanhecer, quando a caixa chegou à varanda da terceira casa à direita na Rua Olavo Martins. Não era presente do carteiro, aquele pacote; em verdade, a pessoa que o deixara ali só tinha na cabeça a melhor das intenções ― Mas nem mesmo o melhor dos pensamentos poderia reverter a terrível melancolia que estava para acometer aquele mesmo endereço.
A dor que veio atada àquilo não se vai.
E os sons que correram a vizinhança, silenciosa como a morte, se estenderam por uma eternidade. Algo terrível havia ocorrido e não havia maneira de contornar aquele desastre. Desastres também não se vão. Não do modo como aquele veio.
Certamente, o grito que saiu daquela casa, agitando fervorosos pássaros, não iria embora do lugar tão cedo. As almas açoitadas que viviam ali dentro gritariam para sempre. Aquele era o fim e o fim era doloroso... o que tinha dentro da caixa era o horror.
E pensar que no começo essa fosse uma história de amor.
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O Ser
Short StoryDing-dong. Alguém está tocando a campainha. Há algo no chão da varanda. É uma caixa. Um pedido de desculpas. Mas era tarde demais para se desculpar. Antes, contudo, Clara tinha uma vida. Era uma vida até boa, nem tão ruim, nem tão perfeita...