A Exceção

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Clara prometeu que não ia mais se apaixonar

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Clara prometeu que não ia mais se apaixonar. E ela devia ter cumprido a promessa.

Por certo, a moça havia recebido suficientes sinais de que cair em tentação amorosa era má ideia. Raios cruzavam o céu sempre que ela fantasiava, notícias terríveis invadiam a televisão quando cantarolava... uma sensação fria dentro dela afirmando que um passo para a frente poderia levá-la a uma depressão sem fim. Não era possível imaginar alguém se erguendo do abismo, embora a garota já o houvesse feito algumas vezes. Ela tinha esse medo a devorando por dentro: uma maldição que, conflituosa, era difícil de contornar. E teria sido melhor se Clara não a tivesse contornado.

Todo dia, de tarde, a moça chegava das aulas e entrava em casa, meio cansada, meio desperta, ainda que bem viva, pronta para o resto do dia. E o resto do dia era quase sempre o mesmo: ela lia o que tinha para ler, via na tevê o que tinha para ver e fazia o que tinha para fazer. Não era Clara, a mais sociável das meninas. Ela não via muita graça nas outras pessoas, embora algumas pessoas vissem graça nela. Talvez a timidez dela viesse daí. O mundo jamais lhe pareceu muito favorável, mesmo que houvesse sempre, aqui ou ali, algumas exceções. Não demorou muito, ou talvez tenha demorado um pouco, e Clara conheceu mais uma delas. Com certeza teria sido melhor se ela jamais a houvesse conhecido.

A exceção tinha nome, mas a menina não gostava muito de falar dele. Ele, a exceção, em contrapartida, gostava muito de falar com ela. Mas não era uma boa ideia, para Clara, falar que havia ele em sua vida. Algumas coisas eram complicadas, de modo que a moça tivesse problemas em conviver com a doença que era ignorar a existência de alguém. E, de fato, no final das contas, teria sido bem melhor se ela tivesse ignorado a existência desse alguém.

Atestando a favor dessa tese, a mãe de Clara não era daquelas mães que aprovavam facilmente as escolhas amorosas das filhas. Mas a garota devia dar um desconto para a outra, com certeza. O caminho das duas jamais fora muito bem asfaltado; de quando em vez, elas sempre encontravam ou um buraco ou uma pedra nas passagens... aliás, tinha vezes que os buracos eram crateras e as pedras, pedregulhos. Era uma graça que mãe e filha se mantivessem inteiras. Elas tinham um carinho interminável uma pela outra, sendo as duas um só na falta de um terceiro. Um terceiro que, diferente da exceção, não possuía mais uma existência para ser ignorada.

― Mãe? ― Clara chamou-a, caminhando devagar pelo corredor. Calmos, os passos se aquietavam no carpete, conforme a menina parava para pendurar a mochila num gancho atado à parede.

― A-aqui. ― a voz da outra falou, falhada, ultrapassando a madeira. É claro que Clara achou estranho, embora soubesse do que devia se tratar o desconforto. Havia tempo que ela via aquilo acontecer.

Girando a maçaneta e empurrando a porta, a garota encontrou a mãe sentada na beira da cama. Atrapalhando-se, a mulher fechava depressa a gaveta da cômoda, tentando forçar uma expressão desentendida e natural que veio aflita e artificial pelas curvas do rosto.

O SerWhere stories live. Discover now