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No dia seguinte, a enfermeira entra na sala e encontra Amélia com as roupas rasgadas, ferida e a chorar desconsoladamente. Ela ao ver Amélia naquele estado, ficou chocada até deixar cair os papéis que tinha na mão e foi logo ajudá-la:

- O que é que lhe fizeram menina?!

Amélia não responde ficando a tremer.

- Quem é que lhe fez isto? - Disse a enfermeira implorando que lhe contasse.

- Foi, foi... O diabo em pessoa. - Respondeu a pobre Amélia.

- Temos que tratar dessas feridas, a menina não vai ficar nesse estado!

- Não por favor deixem-me em paz eu não quero que ninguém me toque.

A enfermeira ajuda Amélia a levantar-se mas ela não queria.

- Não eu não quero. Largue-me!

Ela pegou nela ao colo para ser mais fácil. E ao chegarem à enfermaria, parecia um manicómio; pessoas com facas espetadas nas pernas, outras que cortaram a língua e os pulsos e a maioria estava lá para tomar medicamentos para acalmar a doidice. A enfermaria era grande mas não tinha a capacidade de acolher tanta gente!
Ela pôs Amélia na única cadeira que ali estava para desinfectar as feridas. Foi difícil para Amélia conter aquela dor que não passava, estava completamente dorida e não se conseguia mexer. A enfermeira ao acabar o tratamento, recomendou-lhe:

- Muito bem já está! Agora vai ficar aqui quietinha e se quiser alguma coisa pode-me pedir. Já volto.

Ela ao ver que a enfermeira ia deixá-la sozinha pediu-lhe um favor:

- Não se vá embora, fique aqui comigo por favor...

- Mas tenho de tratar de outros pacientes que precisem da minha ajuda.

- Tente compreender, eu tenho medo que me façam mal novamente.

- Tenho a certeza de que vai ficar bem, não está sozinha e, além disso, olhe à sua volta. Tem muita gente aqui que a pode acompanhar. Se me dá licença tenho mesmo de ir.

- Mas... - Disse Amélia tentando esticar o braço para puxar a enfermeira para ao pé de si.

Depois disto, começa a entrar em pânico, talvez o grupo pudesse estar por ali e fazer-lhe a mesma coisa que lhe fizeram antes. Ao menos, companhia não faltava na enfermaria e, era impossível passar-se despercebido.
Passado um tempo, entra uma jovem da sua idade, muito abatida. Ela é posta ao lado de Amélia que estava a beber um chá. Ao reparar na sua presença, decide cumprimentá-la para ter novas companhias é assim sabia que nunca estaria só. Ao acabar de beber o chá, diz para a que está a seu lado:

- Olá, eu sou a Amélia. E você?

- Mafalda... - Diz ela muito envergonhada desviando o olhar.

- Mafalda é o nome da minha tia, é muito bonito. Sabia que significa força na batalha? É um nome de origem germânica e acho-o muito interessante.

Depois de Amélia dizer isto, surge um silêncio desconfortável para as duas. Mas ela decide puxar por Mafalda:

- Então porque é que veio para a clínica?

- É uma história que me magoa muito, sabe?

- Desculpe por ter perguntado então...

- Deixe lá. Às vezes gosto de desabafar para tirar um peso de cima.

- Eu posso ser um bocadinho chata mas é que eu sou muito curiosa. - Disse Amélia mostrando um sorriso para animar Mafalda.

- Eu estou nesta clínica à três anos e vim para cá desde o dia em que soube que nunca mais iria ver o meu filho e o meu marido. - Disse ela chorando.

- Os meus pêsames. - Disse Amélia pondo a mão no ombro de Mafalda.

- Todos os dias tenho uma foto deles no meu casaco e rezo sempre na esperança de os puder voltar a ver. E você? Parece muito feliz para quem está numa clínica psiquiátrica.

- Eu fui colocada aqui injustamente. Eu vim para cá porque quando disse aos meus pais que tinha visto uma alma, eles achavam que estava maluca.

- Desculpe estar a dizer isto mas, com todo o respeito, os seus pais foram um bocadinho infames.

- Não tenha receio de dizer a sua opinião porque tem toda a razão.

- Ainda vive com seus pais? Não é casada? Não tem filhos?

- Não é esse o meu objetivo de vida. Só quero acabar os estudos da Universidade e ter uma carreira.

- A sério? Não é comum haver mulheres como a Amélia.

- Não se preocupe, já estou habituada.

O relógio toca, é meio dia, hora do almoço. Desta vez, Amélia teria de ser ajudado para comer a refeição, o que fazia-a sentir ainda mais inútil. Talvez seja obra do destino porque quem iria ajudá-la era a enfermeira. Ela chega ao pé dela com um tabuleiro e ao ver que era Amélia diz-lhe:

- É você menina? Eu disse-lhe que não a ia deixar sozinha!

Amélia mal conseguia mastigar, doía-lhe tudo quando fazia um pequeno gesto, o que tornou um almoço demorado.
Depois da refeição, sentiu uma dor no coração. Lembrara-se que já não escrevera à tanto tempo no seu diário! Mas, infelizmente, mexia a mão com alguma dificuldade, o que a impedia de poder escrever. O diário era algo muito especial para ela, era o único lugar no mundo onde podia escrever sobre os seus problemas, sobre os seus segredos e o que sentia, sem ninguém apontar-lhe o dedo. Era uma necessidade e Amélia de Carvalho não conseguia viver sem o seu querido diário.
Mas havia outro assunto que a inquietava... Será que seus pais voltam, não voltam? Tinha saudades deles e, apesar do que lhe fizeram, continuavam a ser seus pais e isso nunca mudaria. Ao menos, saberia que já não estava em perigo, o que a deixou descansada. Certamente, não iria dormir esta noite.

A Minha Motivação |livro 1|Where stories live. Discover now