capítulo um

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Elizabeth calçava seu tênis com pressa, colocava os cadarços com mãos trêmulas. Estava nervosa e impaciente, a necessidade de sair de casa era imensa. Seu corpo pedia atividade para que não fosse consumido por sua mente inquieta.

Naquele fim de tarde ela tentou, de todas as maneiras, conversar com Pedro, porém, ele se mantinha distante e misterioso, como vinha acontecendo nos últimos dias.

Ela vagueou pela casa por quase toda a manhã, precisava terminar o projeto de decoração da casa do prefeito, mas sabia que nada de bom sairia se tentasse fazer alguma coisa naquele momento. Então lustrou os móveis, aspirou o pó da casa, que já estava limpa, limpou os armários, que também já estavam limpos. Realizou tarefas desnecessárias, sua intenção era manter-se ocupada para não pensar no quanto estava sentindo a falta da companhia de Pedro. Porém a manhã se arrastava lentamente, parecia que nunca passaria.

Por volta do meio dia, ela terminou de preparar o almoço e avisou ao esposo que a comida estava na mesa. Ele, porém, se serviu em silêncio e em seguida trancou-se dentro do escritório.

Ele comeu longe dela, aquilo nunca tinha acontecido. No entanto, Elizabeth não foi até ele, não perguntou o motivo de sua indiferença. Pedro parecia outra pessoa e ela ainda não acreditava que alguém pudesse mudar daquela maneira, o homem gentil com quem havia se casado, parecia ir desaparecendo gradativamente, mesmo assim, ela mantinha a boa e velha esperança de que fosse apenas uma fase ruim.

Elizabeth não comeu. Perdeu toda vontade de se alimentar. Andou a esmo por dentro de casa, tudo estava em seu devido lugar, os móveis brilhavam, todos os cômodos organizados, não havia nada para ela fazer. Pensou em ir até o jardim, sentar-se e tentar absorver um pouco da revigorante  energia das plantas, mas lembrou dos muitos momentos felizes, dos risos, das vezes em que se amaram naquele lugar. Não, não precisava de mais motivos para lembrar do quanto as coisas estavam mudadas entre eles. Então, sem alternativa ela se refugiou na biblioteca com a intenção de ler um pouco, mas sua mente divagava para longe da leitura, as letras se embaralhavam diante de seus olhos e tinha que reler o mesmo parágrafo várias vezes. Fechou o livro e desistiu da leitura.

Levantou-se decidida a distrair sua mente e a ideia de ir correr na praia lhe pareceu uma boa alternativa. Exercício sempre era bom para jogar fora toda a tensão emocional. Foi até o escritório do esposo, imaginou que a porta estava trancada, mas, ao girar a maçaneta, percebeu que se enganara. Então abriu a porta e entrou com passos incertos, aquilo era muito estranho e desconfortável. Aquele era o homem que a amava, não era? Era o homem com quem partilhava sua vida, seus sonhos e sua intimidade. Então, qual a razão de se sentir tão oprimida perto dele? Pedro pareceu não perceber que ela estava ali até o momento em que sentiu seu toque. Ele não se virou para olha-la de frente. Elizabeth girou a cadeira na qual ele estava sentado e o beijou nos lábios, não sabia por qual razão estava fazendo aquilo. Pedro parecia incomodado com a presença dela, aquilo a deixou sem chão. Demorou um pouco com os lábios colados nos dele e sentiu com decepção que não havia sido correspondida.

- Vou correr - Ela disse enquanto interrompia o beijo. Se empertigou e esperou um pouco, sentia um fio de esperança. eles sempre corriam juntos. - Você vem? - Perguntou já sentindo a voz tremer.

- Não.

Pedro respondeu rispidamente sem olhar para ela. Elizabeth esperou ele falar mais alguma coisa, porém Pedro apenas girou novamente a cadeira e voltou a se concentrar no livro que estava escrevendo. Ela encarou por alguns instantes a tela do computador e desviou o olhar sentindo duas lágrimas rolarem por suas faces. Pedro, já havia ignorado, totalmente, a sua presença no recinto.

- Certo - Falou. De repente pareceu que ia sufocar. - Volto em uma hora...

Ele não falou nada, não esboçou nenhuma reação e Elizabeth sentiu seu coração ficar ainda mais apertado dentro do peito. O que estava acontecendo com o homem que amava? Pedro sempre foi carinhoso, atencioso e romântico, no entanto ali estava ele, ignorando-a completamente, como se ela não fosse ninguém. Saiu do escritório dele, parecia que carregava um peso enorme em seus ombros. Era o peso da rejeição.

Terminou de calçar seu tênis e saiu, a princípio caminhou lentamente. Sentia uma incontrolável vontade de ir novamente até o escritório e confrontar o esposo, perguntar qual a razão de toda aquela distancia que ele estava fazendo questão de manter nos últimos dias. Queria saber o que havia feito de tão ruim para que a tratasse com indiferença. Ele, que sempre a fez se sentir amada, desejada, importante, agora agia como se ela não passasse de uma mulher qualquer. E as declarações que havia lhe feito à luz do luar? As noites de amor que haviam compartilhado? Os sorrisos, a cumplicidade, onde estavam? Seria mesmo possível que ele não fosse capaz de ver que a estava matando aos poucos? E por quê? Então uma voz vinda de algum lugar de sua mente lhe fez uma pergunta, a pergunta da qual ela vinha fugindo por temer a resposta. Você não sabe mesmo o motivo de tudo isso? Era o que a voz acusadora e cruel perguntava. Elizabeth começou a correr, não queria pensar na resposta, não queria pensar nas razões. Sabia que podia ser o seu fim, o fim de seu sonho romântico, de seu sorriso, de sua felicidade. Ela sempre amou o esposo. Por qual motivo não podia ser feliz? O que havia feito de tão ruim ao universo para que ele lhe enviasse sempre dor e sofrimento? Não bastava o que lhe aconteceu no passado? Ah, o seu passado! A voz falou novamente, é isso mesmo! Que tal falarmos sobre ele?

Elizabeth parou.

Estava correndo próxima a água do mar, algumas ondas quase alcançavam seus pés. Ela se aproximou mais e sentiu a água encharcar seus tênis. Poderia deixar tudo isso para trás, não poderia? Se a vida insistia em lhe esmurrar, trazendo sempre a tona seu maldito passado, qual era a graça de continuar com sua existência sem sentido? Poderia muito bem entrar dentro daquelas águas e sepultar de vez seu sofrimento. Acabar com aquele martírio, ficar livre da sombra macabra de sua história que insistia em acompanha-la onde quer que ela estivesse.

Elizabeth agora caminhava, parecia em um sonho. A atmosfera ficou densa e seus olhos se perderam na vastidão do oceano a sua frente, ela parou de pensar, sua mente de repente ficou completamente vazia. Sentiu quando águas encharcaram sua calça, porém não se importou, parecia anestesiada, só queria caminhar, não importando o rumo que seus passos tomavam. Continuou sua caminhada sem se incomodar com o fato de que já estava afundando dentro das turvas águas do oceano. Estava sendo covarde? Desistir é para os fracos, foi o que sempre ouviu, mas quem disse que ela era forte? Talvez já tivesse sido algum dia, no entanto, sentia-se cansada, não pedia muito da vida, porém o pouco que ousara pedir lhe havia sido negado. Queria apenas ser feliz em seu modesto chalé a beira mar, queria apenas acordar ao lado do amado e saudá-lo com um beijo e, no inverno, aninhar-se em seu peito, em um sofá aconchegante e quentinho, enquanto assistiam a um filme e tomava chocolate quente. Amar e ser amada. Isso é pedir muito?

Ela deu uma última olhada em direção à praia e, lhe pareceu ver seu esposo vindo em sua direção. Mas, sabia que era apenas ilusão de sua mente desesperada. Pedro não se importava com o que lhe acontecesse, ele já não lhe amava. Continuou em frente, sentindo que a água quase a encobria totalmente. 

Mergulhou e se entregou. Em breve tudo deixaria de existir e seu passado não mais a atormentaria.

O que eu não te contei ( Em Processo de Revisão )Where stories live. Discover now