capítulo onze

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Ele cambaleava em um estreito beco, fétido e escuro, de uma viela qualquer. Apesar de a lua redonda no céu emprestar a terra sua claridade e as estrelas pontilharem o firmamento com um brilho singular, apesar de haver beleza naquela noite, no beco, local de moradia dos sem teto e viciados, não havia beleza nenhuma. Apenas a desgraça humana em sua face mais sombria. As pessoas que já haviam feito daquele lugar sua morada, estavam caídas ao longo do beco e dormiam um sono profundo, alheias a tudo ao seu redor. Havia silêncio no local, silêncio esse que era rompido apenas por um respirar pesado de um ou outro ocupante do lugar. O cheiro de bebida misturada a vômito e fezes era nauseabundo, porém Augusto não se importava. Era bem verdade que nunca havia estado em uma situação tão degradante, mas não se considerava muito diferente daquelas pessoas ali, ele também não passava de um fracassado, alguém em quem a vida bateu com força e que não foi forte o suficiente para suportar as pancadas de pé, no primeiro soco ele caiu e não se levantou mais.

Augusto chegou a triste conclusão de que não tinha mais controle sobre suas vontades, pois o vício o havia dominado  a única coisa que importava era beber, beber a ponto de esquecer tudo, toda sua vida de merda.

Augusto segurava-se nas paredes do beco a fim de equilibrar-se, pois os pés queriam seguir em linha reta, mas o cérebro, completamente encharcado de álcool, não enviava o comando para as pernas e elas o desobedeciam com uma teimosia irritante. Augusto deu mais uns passos vacilantes e se deixou cair. Quando seus glúteos atingiram o chão úmido e gelado ele sentiu uma forte onda de náusea e jogou fora o que ainda restava em seu estômago. Sentiu o vômito cair entre suas pernas e fazer uma poça ali.

Queria se levantar e caminhar, entrar em seu carro e ir para casa. Foi aí que lembrou que nem sequer tinha um carro. Não tinha, praticamente, nada. Apenas uma minúscula casa lhe esperando.

Casa, era lá que devia estar e não ali, naquele lugar ordinário e imundo. Mas o que o esperava dentro daquelas paredes vazias? O que o esperava além do silêncio e solidão?

Ele não tinha mais ninguém aguardando sua chegada, absolutamente ninguém se importaria se não dormisse em casa, se passasse a noite nas vielas e nos becos da cidade, os cachorros podiam lamber sua boca, os ladrões levar suas roupas e deixa-lo sem nada além de seu corpo que já não valia muita coisa, ele poderia fazer suas necessidades sem usar o banheiro e chegar a sua casa com um cheiro insuportável que não haveria um tampar de narinas, ou um olhar de reprovação, não haveria nada, pois sua vida não tinha a menor importância a nenhuma pessoa. O que ele fazia ou deixava de fazer, há muito só importava a ele mesmo.

Não existia mais sentido e muito menos dignidade em sua existência. Ele havia perdido tudo. O que lhe restava a não ser fazer companhia aquelas pessoas que agora dormiam como se não houvesse um amanhã?

A única pessoa que ainda importava em sua vida não o aguardava mais com o rosto grudado na janela, olhinhos brilhantes e um sorriso de canto a canto das orelhas, uma expressão de felicidade com a chegada do pai. Pedro agora era um homem, há muito deixara de ser um menino cheio de sonhos, um menino que admirava o pai como se o mesmo fosse seu herói de armadura brilhante. Quantas vezes o filho não cuidou dele quando chegava no meio da noite, completamente, entupido de bebidas, sem ao menos saber como havia chegado ali? Quantas vezes aqueles olhinhos ansiosos não o fitaram em um mudo pedido de abraço, um abraço de um pai sóbrio. Quantas vezes ele não viu, de canto de olho, tímidas e silenciosas lágrimas  escorrerem pelas faces do filho enquanto o pequeno sentava na beirada de sua cama e o contemplava dormir? Nessas horas Augusto prometia a si mesmo que não ia mais beber, que não destruiria o amor e a admiração de seu filho por ele, no entanto essa promessa só durava algumas semanas e era vergonhosamente quebrada. Bastava ele ter um confronto com a esposa, ou nem isso. Às vezes ele só precisava lembrar-se do seu passado.

Tudo começava com o pensamento de que seria apenas um pequeno gole, nada demais e quando ele percebia já estava com a mente embaralhada e a visão distorcida.

Agora ali, naquele lugar deprimente que podia muito bem ser o fundo do poço, Augusto sentia que talvez fosse terminar seus dias na sarjeta. É mais difícil sair quando se chega ao fundo do poço. Exige-se esforço dobrado e ele sabia que isso não existia mais dentro de seu ser dominado pelo vício.

Augusto lembrou-se mais uma vez de Pedro. Depois que o filho cresceu, ele internou o pai várias vezes em boas clínicas e até mesmo o acompanhava nas reuniões dos A.A, porém, aos poucos Pedro foi se afastando e no último ano eles tinham tido pouco contato. Muitas vezes Augusto ligava quando estava bêbado e Pedro deixava tudo para ir socorrer o pai, porém depois que o filho se casou, Augusto não ligava mais, a vergonha não permitia.

— Pedro... meu... fiiiilho... — Ele falava para o nada, a voz pastosa e entrecortadas por soluços. — Perdoa... seeeu velho pai? Perdoa meu filho?

— Cala a boca ai velho! — Uma voz de bêbado gritou de dentro da escuridão. — Eu quero dormir...

— Me deixe chorar em paz... Vá dormir em outro lugar. Estou falaaando com meu fi-filho.

O homem não falou mais nada, parecia ter entendido. Às vezes, os iguais se entendem. Augusto continuou seu monólogo até sentir uma mão tocar seus ombros.

— Chega de beber meu velho. Vamos para casa!

O que eu não te contei ( Em Processo de Revisão )Donde viven las historias. Descúbrelo ahora