O que eu não te contei ( Em Processo de Revisão )

Capítulo quarenta

Augusto, de repente, tinha a sensação de ter sido transportado para um passado incrivelmente distante. Como se séculos o separasse do garoto que um dia foi. Ao mesmo tempo, em que parecia que o relógio de sua vida não tinha marcado mais que vinte e quatro horas.

Naquele momento ele entendeu, perfeitamente, a velha expressão "é como se fosse ontem".

O tempo parece longo para as boas lembranças e curto para as más. As coisas boas ficam tão distante quanto o restante da vida é feita de tristeza e frustração.

Uma espécie de amargura e nostalgia se formavam em seu coração naquele momento. E as lembranças vieram como uma enxurrada, empurrando-o para um passado distante e feliz.

***

Ele tinha acabado de se mudar com os pais para o interior, sua mãe estava muito debilitada e seu pai não fazia outra coisa a não ser cuidar da esposa.

A mudança havia sido recomendada por um amigo da família. Segundo esse amigo, naquela cidade do interior morava um médico que era quase milagroso.

O pai de Augusto não pensou duas vezes. Alugou a casa em que viviam, juntou todas as economias e rumou, com esperança, para a cidade desconhecida.

Augusto era pouco mais que um menino, estava entrando naquela fase em que os garotos abandonam as brincadeiras com os outros e passam a olhar para as meninas de uma maneira diferente.

Foi na primeira consulta, na qual o garoto acompanhou os pais, que seu coração deu a primeira acelerada, aquela típica batida desenfreada que acontece com alguns adolescentes quando ficam diante de alguém que lhes chama a atenção de uma maneira especial.

Augusto ficou bobo e não tinha explicação para tal acontecimento. Nunca havia experimentado algo semelhante.

A garota estava sentada na sala de espera, parecia, obviamente, apenas mais uma paciente esperando para ser atendida. Só mais tarde ele descobriria que aquela era a filha do médico.

Eles conversaram, ela era desinibida. Ele não sabia bem o que falar nem onde colocar as mãos. Gaguejava na maior parte da conversa. Era tímido.

Tereza e Augusto não se separaram desde então. Ela não se importava com a condição social dele. Era uma garota formidável. Parecia nem pertencer a um mundo em que as pessoas são valorizadas de acordo com a conta bancária que possuem.

Eram, ainda muito jovens, mas, aos poucos foram amadurecendo a ideia do casamento. Esperariam apenas a maioridade chegar. Estavam decididos.

Mas, os planos dos apaixonados não deram em nada. A mãe de Augusto, depois de uma melhora significativa, piorou assustadoramente e em alguns meses os deixou.

O homem mais velho entrou gradativamente em seu próprio mundo e o filho ficou por conta própria. As coisas nunca mais voltaram à normalidade.

Augusto cuidou do pai, nos dias mais difíceis do luto. Ele teve que se tornar homem antes do tempo. Sabia que nada do que estava fazendo era demais, faria o que pudesse para que o pai voltasse a ser feliz novamente.

Augusto nunca foi de farra e depois que a mãe morreu ficou ainda mais recluso. Saia apenas para realizar algum trabalho e estudar.

O tempo passou e nada mudou. O pai continuava em sua eterna tristeza e o filho cuidava dele e da casa. O namoro com Tereza permanecia firme. A maioridade estava chegando, logo se casariam.

Os pais dela, indo na contramão do que era comum, nunca foram contra o namoro da adolescente com um garoto de classe baixa. Havia apenas a única condição de eles nunca ficarem sozinhos, para não correr perigos, explicavam.

Sempre se encontravam na presença dos adultos. Não podia haver casal mais apaixonado!

E então, tudo mudou.

Augusto, entrou na maioridade.

Dias depois. Enquanto passava em frente a um estabelecimento que anunciava um sorteio milionário. Sentiu vontade de tentar a sorte. Ele selou seu destino naquele momento, mas disto ele ainda não sabia.

Augusto ficou rico. A cidade logo ficou sabendo, como é típico de cidades pequenas.

Tempos depois, Augusto amaldiçoaria o dia em que participou daquele sorteio. Antes tivesse continuado pobre.

Não, ele não foi assaltado. Ele não teve essa sorte. Um assalto duraria poucas horas, ou minutos. O que aconteceu durou grande parte de sua vida. E custou sua paz.

Ele atraiu a atenção de uma jovem mulher, três anos mais velha que ele. Uma jovem bonita, ambiciosa e desgraçadamente má. E ela não mediu esforços para ter ele e todo o dinheiro que vinha junto. E ela teve, ambos.

Foi assim que, meses depois, um Augusto infeliz casou com uma Nereide vitoriosa.

Tereza foi enviada para morar na França, com uma tia idosa.

Eles nunca mais se viram. A não ser...

***

- Senhor Augusto? - A voz o trouxe de volta. A voz dela. Quanto tempo havia se passado entre sua adolescência e aquele momento? Um dia? Um ano? Um século? - Senhor Augusto? - Ela o chamou de senhor Augusto? Era isso mesmo? Será que não sabia quem ele era? - O senhor está bem? - Repetiu com aparente preocupação. Preocupação de médica, é claro.

- Eu... eu... - Ali estava. O tímido adolescente de alguns anos, um adolescente, grisalho, cheio de rugas e sem nenhuma esperança no amanhã. - Estou bem, é claro.

Não importava. Seu tempo tinha passado, era um homem destruído e desgraçado pelo destino. Era seu filho que importava naquele momento.

- Que bom! - Ela se aproximou do leito de Pedro. Parecia a mesma garota, só que agora com uma beleza única. A que o tempo confere aos que vivem com sabedoria, aos que são felizes. Feliz? Ela havia sido feliz? Como pôde ser tão egoísta? Tinha casado? Quantos filhos teria? - Por um momento pensei que não estivesse passando bem. - Ela concluiu o encarando em seguida. - Precisamos conversar sobre a situação do seu filho. Sua esposa...

- Ela não é mais minha esposa... - Ele cortou a fala dela rapidamente.

Sentia vergonha. Ali estava ele, o que havia sobrado do rapaz cheio de vida e esperança. Ali estava ele, a sobra que a bebida deixou escapar. E, ali estava ela, uma mulher bem sucedida e ainda bonita. O que teria acontecido se as coisas tivessem sido diferente?

- Pode, por favor, ir comigo até a minha sala?

Ele podia, é claro.