Capítulo cinquenta e sete

46 8 29
                                    

Ruy ainda não sabia como faria para se adaptar a sua nova vida, a sua verdadeira vida, a de pai sozinho. Como encontraria uma boa babá para cuidar de sua pequena Hanna? Como faria para conciliar seu trabalho com o ofício de ser um bom pai?

A possibilidade de deixar sua pequena com alguém que não cuidaria dela como devia, pior, alguém que a maltratasse, era angustiante. Só de pensar que ela podia sofrer algum tipo de violência física ou verbal por parte de uma pessoa que ele mesmo havia contratado lhe deixava muito angustiado. Porém, sabia que isso podia acontecer. Se até algumas mães são capazes de machucar os próprios filhos, imagine alguém que não tem nenhum laço afetivo ou sanguíneo.

Ruy sentia medo de falhar com a pessoa mais importante de sua vida. Tinha medo de não conseguir ser o pai que ela merecia. Sim, ele se preocupava com sua filha, pois, ao contrário do que muitas pessoas pensavam, ele não era um ser humano desprovido de bons sentimentos.

Todos que o conhecia superficialmente, ou seja, a maioria das pessoas com quem convivia no dia a dia, o considerava um ser humano baixo e sem escrúpulos. Gustavo era uma dessas pessoas, seu sócio sempre o olhava com desprezo, como se ele tivesse alguma espécie de doença. O outro nem sequer o recebeu em seu apartamento quando só o que queria era alertar a respeito do que Nereide havia lhe dito para fazer.

Ruy já havia se acostumado com isso, ou tentado se acostumar. Lá no fundo, ele lamentava a má fama que alimentou por tanto tempo.

Só ele sabia de suas motivações, suas inseguranças, suas frustrações. Só ele sabia das vezes em que se deitou para dormir e teve que lidar com a luta interna entre seu eu racional e o emocional, entre a vontade de fazer as coisas da maneira correta e a pressa para conseguir alcançar seu objetivo maior. Das vezes em que se motivou ouvindo canções infantis e lembrado de sua filha.

Ele sentia vergonha de tudo o que fez para chegar até ali, as vezes em que, como advogado, teve que defender a causa do culpado, mesmo sabendo da verdade. Das vezes em que foi para a cama com Nereide e permitiu que ela usasse seu corpo da maneira que desejasse. Mas, não podia voltar no tempo para fazer diferente e, sinceramente, se voltasse atrás e as circunstâncias fossem iguais, faria tudo de novo. Portanto, se recusava a passar o resto de sua vida remoendo culpas. Colocaria uma pedra em tudo o que fez e seguiria adiante.

Nada mais importava agora, tudo havia acabado com o mínimo de danos a si e aos outros.

Naquele momento, em particular, ele estava dando o primeiro passo para sua nova vida. Sentado em frente ao computador, ele pesquisava agências que ofereciam serviços de babá. Não gostaria de fazer isso, queria que sua irmã tivesse cumprido a promessa de ajudá-lo, odiava a ideia de deixar sua filha com uma desconhecida, mas não tinha alternativa. E, depois faria de tudo para passar o mínimo de tempo possível longe dela.

Um riso infantil chegou aos seus ouvidos e o arrancou, momentaneamente, de suas preocupações. Ele olhou em direção a Hanna, a pequena ria com algo que Agenor fazia.

Ao ver a cena, um momentâneo riso desenhou-se em sua face e então outra preocupação veio a sua mente. Quanto tempo Agenor ainda ficaria em sua casa? Gostava da companhia do outro, o que era inexplicável, porém essa não era a questão. O homem ainda não passava de um desconhecido. Antônio parecia ter esquecido desse detalhe. Na verdade ele parecia ter esquecido bastante coisa. Ruy continuava sem muita informação e sem entender qual era o objetivo daquele homem.

Nunca insistiu em saber, achava que era melhor assim. Não era detetive, sua função não era saber os segredos dos outros. Precisava do dinheiro que Antônio lhe pagava e ponto. Apenas fazia o lhe era ordenado, sem perguntas, sem hesitação, afinal, nunca lhe foi pedido, não por Antônio, que tirasse a vida de alguém. As ordens eram para fazer pequenos, insignificantes e inexplicáveis serviços, como quando teve que ir até aquela cidadezinha no fim do mundo atrás de Agenor e o trouxe para sua casa.

Ruy, no entanto, começava a questionar se estava certo em não buscar saber mais. Nem mesmo o número do atual telefone de Antônio ele tinha, o homem era escorregadio e nas raras vezes em que se encontravam nunca falava com ele olhando em seus olhos. Como foi se meter com uma pessoa assim? Por Deus, ele era um pai de família!

E a tal Danúbia? O que dizer dela? Outra pessoa misteriosa. Além disso, Ruy sabia que ela não gostava dele, o motivo lhe era desconhecido, já que não conviviam muito um com o outro. Será que era um ser tão desprezível assim, que causava antipatia por onde passava?

Isso não importava. Não precisava da bajulação de ninguém.

No momento precisava saber no que havia se metido. Tarde demais? Achava que não. Só é tarde quando a vida acaba. E se tivesse envolvido com pessoas piores que Nereide? E se tivesse sido cúmplice de crimes hediondos? Como não havia pensado nisso? Toda aquela história com Elizabeth, o interesse de Antônio por ela... tinha tão pouca informação sobre tudo aquilo.

Pegou o celular a fim de fazer uma ligação. Não chegou a realizar a chamada. O aparelho tocou no exato momento em que ele estava procurando o número de Danúbia.

- Ruy? - Sim, ela estava do outro lado da linha - Preciso falar com você - A voz dela estava trêmula - Tem que ser pessoalmente.

- Amanhã eu te encontro. Me diz onde?

- Não. Tem que ser hoje, agora! - Havia urgência na voz dela.

- Escuta. Eu, não posso... você não sabe, mas...

- Eu sei, você tem uma filha - Ela o interrompeu, deixando-o perplexo com a revelação, como assim ela sabia de Hanna? Nunca havia comentado com ninguém - Não se preocupe - Danúbia continuou - Providenciei alguém para cuidar dela.

- Como você sabe da existência de Hanna? - Perguntou.

- Isso não importa agora. Preciso de você, por favor!

Ela começou a chorar. Ruy ficou embaraçado. Era estranho ouvir aquilo, aquela mulher parecia ser tão forte, segura de si.

- Onde você...

- Vou te passar o endereço - Ela o interrompeu - anote aí e, Por favor, venha.

A conversa acabou e alguns minutos depois ele ouviu a campainha. Intrigado foi até a porta e abriu-a. Uma senhora, de aparência agradável e sofisticada, sorriu para ele.

- Olá Ruy, boa noite! Sou a Ester - Ela se apresentou sem nenhum embaraço, parecia muito feliz em vê-lo, seus olhos brilhavam - Vim ficar com sua filha, a pedido de Danúbia.

Ruy ficou sem palavras diante da situação. Apenas se afastou e disse um "entre" quase no modo automático.
Enquanto fechava a porta, tentava lembrar de onde conhecia aquela simpática senhora quando ouviu a voz de Agenor atrás de si.

- Ester?

Ruy olhou para o rosto do homem e levou um susto. Agenor estava pálido, parecia que iria desmaiar a qualquer momento.

O que eu não te contei ( Em Processo de Revisão )Where stories live. Discover now