Capítulo 7- O ataque III

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O ataque, enfim, cessou. Os que não morreram, agonizavam, feridos. O céu, antes estrelado, agora está nublado. Mal se pode ver o resultado da chacina. Provavelmente uma aldeia inteira foi dizimada, pensou o único padre que sobrevivera. Ele, no entanto, possuía uma ferida aberta nos pés que lhe fazia mancar no meio do holocausto. Seus olhos semicerrados procuravam uma alma viva para entregar a Deus – ou só para lhe fazer companhia naquele momento de desespero.
Passou ao lado de um colono com um ferimento na cabeça e que ainda respirava, mesmo sofregamente. Pensou em abaixar-se na altura do conterrâneo e lhe perguntar o nome. Mas não teria coragem de iniciar uma conversa com alguém sem rosto. O homem caído era um conhecido que se tornara totalmente irreconhecível. Além disso, parecia coberto de vômito. O padre sentiu repugnância e temor. O medo, aquele veneno, lhe paralisava mais que a dor da mordida que levara. Cada passo, uma ave-maria, um pedido de socorro a Deus - que nada respondia.
O cheiro começava a ficar pútrido, nauseante. Seria possível que os corpos  humanos apodrecessem em tão pouco tempo? O padre levou os dedos ao nariz, mal suportando o odor do massacre. Devia se afastar dos corpos atrás de si, entretanto seu pé não o levaria muito longe. Em vez de procurar algum vivo, pensou, melhor caminhar até a oca onde os índios guardam suas emulsões.
Agoniado com a dor, o padre inclinou-se para verificar o estado da ferida. Na mesma hora, uma flecha passou próxima a sua cabeça. Não houve tempo de reagir, de buscar a origem da ameaça, pois imediatamente o padre vomitou. Prostrado, vomitou muito. Seu estômago revirava em vômito. Não sabia se vomitava de nojo, de medo ou de doença. Apenas expulsava um caldo espesso numa quantidade improvável. Parecia que sua alma ía embora pela boca.
O jovem Piquerobi estava escondido em cima do galho de uma árvore. Uma das árvores mais altas da mata atlântica, que os portugueses passariam a chamar de Jequitibá rosa.
Quando o ataque começara, o primeiro impulso de Piquerobi fora o de procurar um dos missionários jesuítas para matá-lo. Antes de encontrar seu desafeto, no entanto, viu o seu irmão e também chefe da aldeia ser atacado e em seguida defendido, mas sem muito sucesso. O chefe tombara e seu defensor, um soldado colono, era devorado avidamente por outro colono, que parecia indiferente a qualquer investida.
Piquerobi ao observar a luta perdida contra o mortos, então, pegou seu conjunto de flechas e correu com destreza, contornando toda a aldeia.  Um branco que o visse correr daquele jeito logo pensaria que o guerreiro estava fugindo. Mas todas as tribos sabiam que o filho do Norte não teme a morte.

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