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E mais uma vez você por aqui.

Sabe, estou começando a me acostumar com a sua presença. Não que isso seja boa coisa – da mesma forma que acostumar-me contigo por aqui não é ruim –, mas saber que está aqui não passa de uma efemeridade. Se eu, que sou o Tempo, também sou efêmero e passageiro, por que você não seria?

Quando dizemos que tudo é passageiro, estamos taxando tudo àquilo que nos rodeia. A relação do seu Zeca com a senhora da rua debaixo, a paquera do pagode, a amizade de anos. E escute o que digo: Não me prometa que vá ficar. Não se prometa que irá ficar.

Se quiser partir, obrigado por passar por aqui. A nossa presença em tudo o que vivemos e damos atenção é valiosa. O tempo que você ficará por lá (e por aqui), apenas um número.

Mas, e se esse tempo valer histórias perdidas e sentimentos dissipados?

Quando Vitória chegou em casa, a primeira coisa que fez foi procurar um lugar para descansar seus ombros. Com a cabeça apoiada na cabeceira da cama, reviveu em sua mente tudo o que acabara de acontecer.

Ana Clara havia voltado.

A cacheada ensaiou e reescreveu roteiros em sua cabeça pensando no reencontro com a morena. Ana Clara era seu sonho personificado que, por conta de uma série de desventuras e infortúnios, havia se tornado só... Só. Um silêncio gigante e mais nada.

Vitória lembra-se da última vez em que ouviu falar de Ana Clara. Tinha de buscar Aninha, sua irmã, na aula de violão quando passou á frente da casa dos Costa Caetano e viu toda a confusão. Luana tinha o celular apoiado na orelha e uma dona Monica apreensiva do outro lado.

"Como assim vai nascer?!" Vitória franziu o cenho ao escutar. "EU JÁ VOU SER TIA? AINDA FALTAM DOIS MESES, MEU DEUS!"

Nascimento. Luana sendo tia. Rafael não poderia engravidar, então só poderia ser... Ana Clara.

Vitória lembra-se de encostar o carro no final da rua e apoiar a cabeça no volante enquanto as lágrimas insistiam em cair. Ana havia saído de sua vida da mesma forma que você pode sair dessa história, e não havia tido bilhete de aviso.

Quando a viu ali, parada atrás de si, Vitória pensou que iria desfalecer. Sentiu vontade de sair correndo, mas pensou que já havia enfrentado situações muito piores do que aquela e tentou soar... Natural. Porém, em meio a tantas coisas que sua cabeça gritava, apenas uma coisa se era audível:

Ana Clara estava ainda mais linda.

Sua pele estava um pouco mais morena e seus olhos, a mesma cor de cacau-jabuticaba. Em seu rosto eu havia deixado a minha marca: Com a idade, as rugas de preocupação começavam a aparecer. Seu cabelo estava muito mais curto do que se recordava, e algumas mechas loiras apareciam junto aos fios castanhos. O corpo? Mesmo que por baixo da calça skinny e da jaqueta, Vitória podia perceber que a Ana Clara adolescente e chorona havia ficado guardada no quintal de casa, dando lugar para um corpo modelado e, no mais puro sentido da palavra, lindo.

Vitória estava confusa, desconcertada, e não sabia o que fazer. Ana Clara era casada, tinha uma filha – a qual Vitória estava encantada – e era uma médica formada. Ela? Com vinte e sete anos na cara, a única relação séria que já havia tido era com uma mulher que trabalhava no setor do RH na empresa em que Sabra, sua irmã, administrava. O nome dela? Patrícia, e sua relação com Vitória não havia passado de três meses. Filhos? Nem em sonho. Porém, Vitória tinha uma cacatua que se chamava Apolo.

A loira rolou pela cama e apertou o rosto no travesseiro. Não entendia o porquê de Ana Clara ter voltado para Araguaína – São Paulo com certeza possuía centros mais capacitados que sua instituição para ajudar Estrela –, e sua cabeça doía só em pensar em imaginar.

Resolveu, então, visitar o lugar que sempre fora seu refúgio. A capital do Boi Gordo oferecia a Vitória o que nenhuma cidade de nenhum outro canto do mundo poderia oferecer: A calma daquele rio. Vitória já havia perdido a conta de quantas vezes se bandeou para lá em busca de paz e respostas. Respostas essas que podem até não ter vindo de imediato, mas sempre apareciam.

Recolheu suas coisas e saiu de casa. Vitória observava o cair do sol dentro do carro enquanto sua cabeça funcionava de forma perspicaz.

Digamos que o nosso cérebro funcione como um coquetel. O "coquetel" químico do nosso cérebro é composto por dopamina, adrenalina e noradrenalina. A dopamina provoca sensações de euforia, enquanto adrenalina e noradrenalina fazem o coração bater mais forte e perder o sono. Ao realizar a ressonância magnética em vários cérebros de pessoas apaixonadas, os pesquisadores descobriram que o sentimento de amor aumenta o fluxo de sangue no centro de prazer do cérebro, reação semelhante ao que acontece quando ficamos viciados em drogas.

Vitória não conseguia focar em uma só coisa e era como se toda aquela adrenalina alojada em seu corpo passeasse por cada parte da sua mente.

Quando chegou, Vitória soltou o ar que não sabia que estava prendendo. Sentou no capô do carro e apoiou as costas, olhando para o céu estrelado que começava a tomar lugar e suspirou. Lembrava-se das vezes que ela e a morena haviam vindo nesse mesmo rio com o mesmo objetivo: Tentar arrumar a mente.

Mas mente não se arruma tampouco amor se acaba.

Sorriu ao lembrar-se dos beijos doces que deram após alguns mergulhos e das vezes em que teve de carregar Ana para o carro por que a morena não queria voltar para casa. Lembrou da mão trêmula em seu rosto, do cheiro de terra molhada, do aconchego da pele macia.

E então, sentiu as lágrimas que estavam presas há muito tempo rolarem pelo seu rosto.

Você já imaginou passar anos longe da pessoa que ama? Sem perspectiva de volta. Sem "tchau" ou uma carta. Vitória já havia presenciado o inevitável algumas vezes, e pensar que tudo aquilo poderia voltar ou não, fazia seu coração querer pela boca.

Pôs a mão na boca quando o primeiro soluço escapou. Olhando para as estrelas que um dia a prometeu, Vitória chora. Agarrada apenas á sua manta, a cacheada observa o breu que agora se instaura no local e pensa se tudo era, de fato, temporário. Sabia por quem seu coração batia e que aquilo durava há anos.

Talvez fosse premeditado. Talvez fosse pura coincidência. Talvez fosse para ela e Ana Clara ficarem juntas ou talvez era só a vida reafirmando que não era pra ser.

Mas antes de te fazer pensar sobre isso, acredito que devo te informar que, nesse exato momento, os pensamentos de Vitória foram interrompidos por uma voz conhecida.

"Esse é o melhor lugar do mundo."

Quanto Tempo o Tempo Tem?Where stories live. Discover now