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Vocês já pararam pra pensar no que são sentimentos?

Sabe, eu nunca senti nada de fato. Como Tempo tenho diversas formas e já vi muita coisa, mas não sinto. Talvez seja por isso que muitos me julgam "impiedoso".

Para mim, sentir é compreender. Muitas vezes as coisas que os tocam mais são aquelas que, na altura em que estão a acontecer, nem vocês mesmo percebem. A felicidade, a tristeza, o repúdio, o nojo. Todos são formas de compreender algo, alguém.

O por que de eu estar dizendo isso para você?

Bom, um dia você vai me entender... Só esperar.

Onde paramos mesmo?

Ah, certo.

Vitória, lagoa, céu estrelado, lágrimas. E então: Uma voz.

Quando a cacheada virou parar olha-la, Bárbara tinha uma das mãos no peito enquanto caminhava até ela.

Espera, vocês não acharam mesmo que seria a voz da Ana, não é?

Deixem-me explicar algo para vocês: As coisas não são fáceis. Se a vida não é fácil, por que o Tempo seria? Aquele velho ditado de que "tudo é questão de tempo" não é falho. É real. E essa história que aqui conto a vocês não seria nada se não fosse por mim.

"O quê que cê tá fazendo aqui, Bá?" Vitória indaga, tentando descontroladamente passar as mãos nos olhos numa tentativa falha de se livrar das lágrimas e do embargo.

"Sabia que estaria aqui. Lembro das vezes em que você e Aninha fugiam pra cá quando o mundo de vocês ficava um caos." Bárbara ri pelo nariz e se encosta no capô, olhando para a lagoa. "Pensei que você estivesse precisando de alguém para conversar depois de tudo o que aconteceu hoje."

Vitória se mantém em silencio.

Bárbara parecer querer respeitar sua reação.

"Por que ela voltou?" Bárbara escuta Vitória dizer num fio de voz. Como por impulso, ela encolhe os ombros.

"Por conta de Estrela." Diz, "ao menos, foi só por conta disso que ela me disse.".

"Depois de tanto tempo... Depois de tanto tempo ela resolve reaparecer!" a cacheada diz num tom um tanto quanto frustrado.

"Vi..." começa, "Ana não sabe."

"Sobre o que?"

"Sobre tudo. Sobre tia Isabel, sobre o porquê de você não ter ido para São Paulo com ela."

Vitória ri, angustiada. Deita suas costas no vidro do carro e olha para o céu.

"Eu imaginei." Fala, "Ela estava feliz demais com nova vida para procurar saber..."

"Você é o amor da vida dela, Vi." Bárbara solta e então escuta uma gargalhada da mais alta. Encolhe ainda mais os ombros, pensando no quanto Vitória havia se magoado ao longo dos anos.

"Por que afirma com tanta certeza?"

"Por que eu a conheço."

"Eu também já a conheci." Diz triste. "Hoje, não mais. Sabe, Bárbara, eu conheci a Ana Clara de 8, 11, 16 anos. Mas essa de agora... Essa de agora eu nem conheço mais."

Bárbara a encara.

"Eu a vi dar o primeiro beijo. Eu a vi conquistar a primeira medalha de melhor aluna, a vi começar o primeiro namoro. E como doeu, Bárbara. Doeu tanto! Mais tanto que nem cabe eu contar aqui. Eu a vi passar no vestibular também, Bá. Mas eu também a vi se matar de estudar para tal. E então, de repente, eu não vi seu primeiro porre de faculdade. De repente ela tinha novas medalhas, novos namoros. De repente ela tinha se casado, Bá. Se casado! E esse doeu mais. Ô se doeu. Não sei se doeu mais por não ter sido comigo ou por que eu já havia perdido tanto da vida dela. Doeu, Bá. Doeu e ainda dói."

Quanto Tempo o Tempo Tem?Where stories live. Discover now