O tempo.
Sou, muitas vezes, nomeado em paralelo e por sinônimos. Indolor, cruel, necessário... Único.
Como Tempo, contorço-me entre o amanhã e o ontem enquanto vejo você chorar outra e outra vez, pelas palavras que você não disse, pelas palavras que quis dizer. Tudo gira, grita, seu corpo se preenche com energia e novamente o choro enrijece a garganta.
E isso acontece de novo, e de novo. Cada vez com uma forma diferente. Você acha que me conhece, é claro.
Eu, o Tempo, não prezo por ter uma alma santa, ou por bens de consumo que me consumam. Os julgo todos filhos perdidos, bastardos abandonados em labirintos, rodeados de incertezas e fraquezas.
E o que eu penso?
Penso, então, que chega dessa falsidade transvestida de veracidade nessa realidade onde reina a maldade e aos poucos o desgaste desgasta, e esgota a humanidade. A vontade de mensurar o tamanho de um sentimento ultrapassa a vontade de ser feliz. Vocês são o que são, e esse é o principal vício: Ser humano e alimentar este ofício.
Ambições os fazem correr sem pensar aonde irão chegar. O ser humano é um velocista amante do descaso com a vida convicta. De tanto correr, faz o sentimento lhe percorrer. Viver entre os extremos do sentimento – o amor – os fazem morrer diariamente. Contudo, não imagino o ser humano morrendo de forma diferente.
O amor, por muitas vezes, aparece de formas diferentes e inusitadas em diferentes partes da sua vida. Na vida de Ana Clara Caetano e Vitória Falcão, ele deu-se início com apenas alguns dentes na boca, na cozinha dos Caetano Costa, e reapareceu, mais uma vez, num centro para crianças autistas, nove anos depois.
Nove anos é muito tempo, mas o amor se molda. Hoje, Vitória consegue enxergar o mesmo amor de anos atrás. É claro que, hoje, o amor tinha algumas mechas mais claras que outras no cabelo. O amor agora sabia falar um francês improvisado, e usava anéis de requinte. Hoje, o amor tinha uma filha.
Filha essa, que não era dela.
Mas o amor ainda franzia o nariz ao sorrir. O amor ainda soltava dialetos da sua terra por minuto. O amor ainda tinha a mesma pele cor de jambu e os mesmos olhos de jabuticaba que, agora, olhavam-na tão atentamente.
"Eu andei por muitos lugares, Vi" Ana sussurra, "Mas a única coisa que posso te dar certeza é que agora tô aqui."
Da mesma forma em que aquele clima fora construído, ele fora derrubado. Estrela acabou se atrapalhando com seus blocos de lego, derrubando-os, fazendo as duas adultas se separarem rapidamente.
Vitória levou seu olhar rapidamente á garotinha, com medo de que a mesma tenha se assustado com o barulho dos blocos. Mas, para a sua surpresa, a menina apenas voltou a construir seus castelos.
"Castelos..." Ana murmura, despertando a atenção de Vitória, "Faz tempo que não construo um castelo."
"Com lençóis fica mais legal..." Vitória diz e Ana sorri, contente pela mulher ter entendido o motivo do comentário.
Vitória levanta-se. Precisava, urgentemente, tomar um pouco de ar. Deixa o violão em cima do palco e aponta com a cabeça para a porta, como quem diz que vai sair um pouco. Ana pondera em perguntar se poderia ir junto, mas decide deixar a cacheada um pouco a sós.
Quanto Vitória chega ao terraço, consegue, finalmente, respirar. Desde que começara a cantar parecia que possuía a sensação de estar respirando de forma descompassada.
Ana Clara conseguia provocar isso nela.
Então, como já havia se tornado de costume desde a chegada da morena, Vitória sente suas bochechas molhadas. As lágrimas que agora escorriam por suas bochechas, se tivesse poder de fala, diriam tanta coisa...
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Quanto Tempo o Tempo Tem?
FanfictionSe a reta é o caminho mais curto entre dois pontos, a curva é o que faz o concreto buscar o infinito. Ana é o concreto. Vitória é o infinito. O destino é a curva. O que poderia ser mais peculiar do que o reencontro de duas almas?