O lado escuro de Vênus

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Penúltimo Capítulo...

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Por Júpiter

O que houve entre mim e ele? O que há entre nós? A minha posse sobre seu corpo mundano, sujo e machucado. Seus ferimentos deveriam despertar-me a piedade e repulsa como tantas vezes fora no início. O que é Vênus, senão uma entidade perturbada. Confesso que senti muito prazer em submetê-lo, mas não vejo saúde no que restou nesses últimos meses. Não o compreendo mais. Não o temo enquanto eu o controlar e subjugar, mas creio que meu EU dominador não é tão sádico que possa lhe "obedecer" no próximo degrau que desceremos, rumo ao porão escuro dessa relação estranha e simbiótica.

O que ele quer fazer comigo? Seu algoz, eu já sou. Não há um caminho claro, não prevejo estabilidade ao seu lado. Eu não estou seguro. Tal como ninguém era seguro aos encantos da deusa Vênus. Preciso estar certo do que fazer nesse passo à diante ou serei tragado junto a correnteza que é sua devassidão. 

Seu masoquismo é estranho. O masoquismo pervertido é esperado, o seu no entanto é perverso. 

.....

Por Vênus

O nosso EU mais recôndito não há quem conheça de verdade, nem mesmo nós o conhecemos, porque chegamos à um limite, o qual não ultrapassamos. A menos que não tenhamos receio de abraçar a loucura... Assim, sou eu...

Não conheci meu genitor, pois ele já era muito velho quando emprenhou Manoela. Eu nunca deveria ter existido, pois a mulher de quarenta e seis anos, que pôs-me no mundo através de um parto seco e sofrido, não me desejou. Vasco mal chegou e conhecer-me. Talvez, eu seria feliz se tivesse seu colo de pai, seu carinho ou pelo menos a sua presença. Mas disso tudo eu fui privado, pois descobri o segredo da mulher que me fez homem, a mulher que teve coragem de romper minha fimose da maneira mais rude possível e que infringiu-me as piores formas de corrigir o filho para que não fosse igual ao pai.

Segundo ela, Vasco a violentou na primeira noite de casados, suas núpcias foram lavadas com o sangue de uma menina moça que não queria casar-se com um homem asqueroso como ele, o tipo sujo e violento.

Se ela fora o demônio para mim, ele fora para ela. Ela não quis permitir que ele me machucasse e por isso... o matou.

Como eu saberia disso, se ela não me contasse? Pois foram muitos e muitos anos sem saber o que acontecera com ele. Nos primeiros anos, acreditava que havia nos abandonado e finalmente ela confessa, moribunda no hospital, no estado terminal de seu tumor metastático e agressivo. E pede-me perdão, à sua maneira.

— Não posso pedir perdão, porque não acredito que me dará e não vou me humilhar para você. — Ela me dissera. Eu sorri e beijei-lhe a face, confessando ao seu ouvido.

— Perdoei sim, já lhe dei meu perdão, mulher.

— Estou sofrendo... dores horríveis, a morfina não adianta... dói demais. Não aguento mais...

— Aguente, por favor. Preciso que viva. 

— Porquê? Eu sofro... Xavier, chame um médico por favor.

A mulher idosa chora e agoniza. Então me aproximo novamente e falo num sussurro: 

— Dei-lhe pó de vidro por dias... o médico cuida de seu câncer, mas o vômito que joga seu sangue pra fora, é nada mais que seu perdão...

Eu, em conluio com seu câncer, a matamos. Ambos fomos cruéis.

Ela partiu para o "limbo" naquela tarde. Ou para o céu, afinal, não me cabe decidir. Eu sei que permaneci com as sequelas, ou melhor, as malditas lembranças da mulher que esgueirava-se para a minha cama, para ter prazeres comigo, pois não conhecera um orgasmo até então. A mais religiosa e santa das mulheres. A mais hipócrita e suja. Porca e vulgar. Como fedia, aquela desgraçada. 

Vivíamos uma relação de casal, eu também era sua propriedade, um objeto e seu filho. Não pude fugir disso até chegar a maioridade. Cursei uma faculdade e obtive êxito profissional, tudo porque me afastei dela.

Eu era um dos meus projetos mais ousados e criativos. Acostumei-me a projetar linhas de móveis com modelos exclusivos para cidadãos tão vazios quanto eu, ou tão vastos. Logo, eu sabia como fazer uso dos meus traumas para criar padrões únicos. Com isso adquirir notoriedade. Incrivelmente, eu era um homem bem sucedido, tranquilo e aparentemente feliz, ou normalmente feliz. Isso tudo quando por dentro, eu era quebrado.

A vida me foi devolvida quando me apaixonei pela primeira vez. Eu tinha vinte e seis anos de idade, ele, alguns a mais. Logo vi que ele não era normal, seu nome, Joaquim, um boneco de porcelana fina, um religioso sem crença, alguém que conseguia me assustar, me acalmar e instigar. Eu precisei provocar aquele homem. Eu queria o que tinha dentro dele. Consegui seu ódio e desprezo, consegui jogar por terra aqueles nojos, receios e medos dele. Eu o aprisionei em mim. Ele podia ser dominador, mas o que eu mais queria, era seu sadismo sobre meu corpo.

Precisava repetir aquilo que me construiu.

Júpiter era uma entidade que saiu de dentro de um homem cheio de transtornos compulsivos, ele fora atraído para fora de Joaquim. Hoje Joaquim morto jaz e quem perambula entre todos nós, é um ser que pouco a pouco perde seu controle. Pelo menos, estou convicto que não há nenhum traço daquele antigo e esquisito cara diante de mim. Júpiter hoje está como preciso que esteja. Está calmo. Um toque dessa suavidade é uma bofetada que me derruba.

— Olhe para o chão, sempre!

— Sim mestre. — Respondo com meu exterior dramático e sofrível. Por dentro dou a mais sonora das risadas.

Sou erguido pelos cabelos e jogado para dentro do box. Ali me ajoelho, lavo-me minuciosamente até que ele aprove.

— Levanta. — Ele joga-me a toalha. — O que está pensando?

— Que você é um fraco. — Quando o demônio adormece, devemos despertá-lo.

..........

Por Júpiter

Não vejo amor vindo dele, vejo necessidade e perigo. Ele me desafia quando retomo consciência de que estamos indo longe demais. O que há aqui é uma inversão das coisas. Hoje não me sinto tentado a ceder.

— Onde quer chegar? Acho que não consigo mais... não vou adiante com isso. — Atiro em seu peito, o chicote, desistindo de prosseguir com essa palhaçada. O aprofundamento chegou ao final do poço... a partir de então, a insanidade vem de encontro. Ele quer isso, eu não almejo.

Tive dois anos para entender que um dominador e um submisso, convivem em consentimento, cada um ciente de seu papel. Xavier, me arrastar para o fundo de seu próprio mundo, não é algo que eu deva permitir. Dom é um universo e Sub é outro. Sinto-me tragado para dentro do buraco negro, onde nada tem.

Ali está a curiosidade humana gritando. O escuro, o vácuo... o que será que me reservam?

Ele junta o chicote e me entrega. Vira suas nádegas riscadas, machucadas e nuas, pedintes... Quer mais dor, mais fúria, mais sangue e punição. Eu vendo-me com uma tira de pano preto, nada enxergo, ergo o objeto que desço violentamente no corpo da entidade devassa em minha frente. Ele grita. Chora, urra, finalmente implora:

— Por favor... chega, pare.

Dobrei meu escravo mais uma vez. E dobrei-me a ele. Fui levado à isso e desafiado, como se eu não tivesse coragem de descer ao seu inferno. Poderia tê-lo matado. Não o fiz.

Vênus é Xavier no chão, amontoado e soluçando ferido por fora, mas por dentro, eu não sei. Não confio. Me enterneço e caio perante seu corpo para tomar conta dele.

— Joaquim... — Isso me assusta. Ele me abraça, beija meu rosto e sussurra em meu ouvido. — ... por favor,  me perdoa.

— Não perdoaria uma traição novamente... — Meu corpo parece leve, tonteio e às vistas daquele homem, creio que desmaio, certo de que vi seu sorriso. Talvez seja impressão.

Não há nada depois.

....

ProfundoWhere stories live. Discover now