Fatalismo Russo

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 " ...dou-lhe o nome de fatalismo russo, aquele fatalismo sem revolta, com que um soldado russo, para o qual é demasiado dura a campanha, se deita por fim na neve "

Friedrich Nietzsche

12 de janeiro de 19XX,

Junto com os soldados Roman e Erik, desembarquei do helicóptero militar na base às 19 horas e 30 minutos. O tempo estava bom, apesar do frio, e conseguimos chegar no horário previsto para recebermos as últimas informações sobre nossa missão.

O soldado Yakov será nosso guia, ele está aqui desde o inicio dos conflitos e por isso conhece bem a região, totalmente estranha para nós outros. Nosso dever é resgatar o equipamento de um grupo de pesquisadores que estavam trabalhando em um laboratório que precisou ser evacuada às pressas há seis meses. Eles estavam estudando sobre alguma bactérias que conseguem sobreviver em temperaturas extremas, muito abaixo de zero; nada de relevante neste momento, porém os cientistas estão dando muita dor de cabeça para o governo, querendo seus cadernos de anotações e disquetes de volta. É para isso que fomos chamados.

Partiremos às 6 da manhã. O centro de pesquisa abandonado fica no outro extremo da zona de guerra, há quatro horas daqui. O exercito tem plena consciência da irrelevância desses estudos, o bastante para mandar apenas quatro homens para aquela região, e à pé. A possibilidade de sobrevivermos ao trajeto é mínima, mas todos estamos de acordo e prontos para o desafio.

Caso eu não volte, por favor, digam às minhas duas filhas, Júlia e Amélia, que as amo muito, tanto quanto sei que elas à mim, que peço desculpas por ser um pai ausente, mas guardei todos os desenhos que elas enviaram nos últimos três anos, eles são meu tesouro mais precioso enquanto estou aqui.

Ruslan, terceiro-sargento.


17 de janeiro de 19XX,

As linhas inimigas estavam sendo vigiadas por um grupo menor do que havíamos sido informados, o que nos deu alguma vantagem. O soldado Roman levou um tiro no ombro e assim que chegamos aqui, Erik retirou a bala e prestou os primeiros socorros. O sangramento parou e a febre parece estar diminuindo, enquanto isso, solicitamos que ele repousasse e não fizesse nenhum movimento brusco com o braço.

Erik e Yakov estão reunindo os materiais e equipamentos dos pesquisadores, segundo a lista que nos foi passada. E eu estou fazendo os registros por escrito e tentando comunicar, via rádio de ondas curtas, à base que chegamos bem. Não estou conseguindo contato, a neve deve estar atrapalhando o funcionamento das antenas.

As provisões de alimentos, água potável e remédios do laboratório foram saqueadas. Passaremos a noite aqui e amanhã faremos o caminho de volta, caso Roman esteja se sentindo melhor. Do contrário, ficaremos por mais um ou dois dias.



18 de janeiro de 19XX,

Ainda não conseguimos contato com a base. Durante a madrugada uma nevasca inesperada soterrou as saídas e estamos presos. A saúde de Roman está piorando, ele está pálido e com calafrios. Há pouco, ele começou a contar histórias sobre sua infância no interior e os animais que tinha na fazenda onde cresceu, quando fazemos perguntas ele nos ignora, provavelmente está delirando. O ferimento infeccionou e não temos antibióticos; Erik abriu a ferida novamente, limpou-a com gelo e refez os pontos.

O isolamento, a falta de recursos e a incapacidade de comunicação com a base estão afetando Erik e Yakov, eles começam a discutir por qualquer motivo. Yakov tem um temperamento difícil e pode tentar algo contra todos nós durante um acesso de raiva, precisamos ficar vigiando ele até que possamos sair daqui.

Precisamos de resgate, com urgência.


21 de janeiro de 19XX,

Roman faleceu às 10:32. Suas últimas palavras foram para seus avós, agradecendo por tudo. Enrolamos o corpo em um cobertor térmico e o colocamos na garagem anexada ao laboratório.

A comida terminou e estamos sem energia elétrica, os fusíveis também foram saqueados das instalações. Utilizamos algumas mesas de madeira, um guarda-roupas, jornais e livros de literatura (deixando a salvo os científicos) para mantermos uma fogueira acessa. De antemão, pedimos desculpas, mas foi necessário para nossa sobrevivência a destruição destes itens.


24 de janeiro de 19XX,

Por tudo que possa ser sagrado, mais uma tragédia se abateu sobre nós! Erik estava verificando as instalações e encontrou fusíveis novos na mochila do Yakov, ele os havia escondido e não quis nos explicar o motivo. Erik, pela exaustão da situação em que nos encontramos, teve uma súbita explosão de raiva e atirou em Yakov. O disparo foi na direção da cabeça e fatal, desfigurando o soldado agora morto.

Erik está transtornado desde então, tendo surtos paranoicos há todo momento, onde ouve vozes e vê outras pessoas andando pelos corredores do laboratório. Além de tentar abrir as portas, iniciou um  Incêndio em um dos alojamentos porque acreditava haver espiões inimigos nos vigiando de lá. Por ameaça à nossa segurança, estou mantendo Erik amarrado.

Não conseguimos qualquer tipo de comunicação com a base. Mas rezo que eles tenham mandando uma equipe em nosso auxilio. 


25 de janeiro de 19XX,

Onde está o resgate? Há alguém lá, preocupado conosco? Somos homens à serviço do país, não merecemos o menor respeito e valor? Só queremos voltar para casa.


27 de janeiro de 19XX,

Mesmo preso com cordas, enquanto eu dormia, Erik forçou a janela da despensa, a única somente de vidro de todo o local, tentando abri-la, provavelmente em meio a mais uma de suas alucinações de perseguição, e a quebrou. Ele foi soterrado pela neve e morreu de hipotermia. Horário do falecimento: entre 23:00 e 04:00.

Aos familiares de Roman, Erik e Yakov, meus sinceros pêsames.
Júlia e Amélia, sinto muito, amo vocês.
Ruslan

***

Desafio #05 (23/01/2018)

[ESCREVI NO TRABALHO E PERDI O PRINT DA PÁGINA DO SORTEIO]

Word count: 1000

Genre: Military

Character: An adventurer

Material: Electricity

Sentence: "is anyone there?"

Bonus: Your character is loved by everyone. 


OPEN 24HWhere stories live. Discover now