Take me anywhere

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– Então, estou te falando, eles contratam engenheiros de som na NASA. É a profissão do futuro.

– Mas para que eles precisam de nós?

– Para mandar ruidos para o espaço. Uma onda sonora bate em coisas e retorna para Terra. Dependendo de como volta, eles sabem no que ela bateu.

– Que doidera!

– Tô falando, é assim mesmo. E têm os sons que vem do espaço e eles tentam decifrar. Que nem no Contatos Imediatos de Terceiro Grau. Lembra desse filme? Tinha uma nave que...

– Continua a história sem tirar as mãos do volante, por favor. Você já está bêbado e ainda quer dirigir com a força do pensamento? Não quero morrer com você aqui.

– "And if a double-decker bus crashes into us, to die by your side is such a heavenly way to die."

– Também não quero morrer com você cantando músicas românticas dos Smiths, imagina se essa é a última coisa que o cérebro grava e eu passo a eternidade ouvindo essa merda? E se o som que vem do espaço é o povo de outro planeta tentando decifrar a gente?

– Pode ser. Quem sabe? Cansei desse papo.

– Se fode, então. Onde fica essa porra de festa?

– Ora essa, dois palavrões na mesma frase. Está zangado.

– Nem sei onde estamos. Como não vou ficar zangado?

– É uma fazenda com uns galpões para raves. São uns espaços internos e externos, lá têm os equipamentos próprios e só contratam engenheiros para os dias de show. Fim.

– E só nós damos conta?

– Uhum. Os donos do lugar chamam engenheiros justamente por isso.

Eles ficam em silêncio, ouvindo o barulho do motor do carro e a fricção dos pneus no asfalto. O sol se ponto no horizonte, mais além dos pastos de ovelhas recém tosadas e vacas malhadas.

– E se tiver um fogão?

– Onde?

– No espaço. Será que só com o som eles vão conseguir diferenciar ele duma pedra?

– Por que teria um fogão do espaço?

– Pode ter caído de uma nave.

– Você é esquisito.

– Por isso todo mundo continua me ignorando.

– Também. Mas normalmente é porque você não puxa assunto com os outros. Fica lá nos cantos, sempre de fone de ouvido. Você é um dos melhores, mas precisa se enturmar.

– É, eu sei. Vou tentar isso quando voltarmos. Você está bem para dirigir, não quer que eu faça isso?

– A estrada é uma reta daqui em diante, e nem tomamos tantas cervejas assim.

– Tudo bem, você que sabe. Pode ir um pouco mais rápido, então? Não gostei desse lugar.

O motorista acelerou até chegar aos 180 quilômetros por hora e se preparava para os 200 quando um bode cortou o caminho deles. O carro tentou desviar mas não conseguiu, acertou o animal que voou contra o para-brisa. Estilhaços de vidro cobriram os engenheiros. O automóvel ainda deu mais duas voltas na pista antes de capotar e prendê-los mortalmente no meio das ferragens que esmagavam suas pernas e quadris. O passageiro, perdendo a consciência, olhou para o colega que já respirava com dificuldades,

– NÃO CANTA SMITHS!


***

NOTA: A música que o motorista canta é There Is a Light That Never Goes Out,  a tradução do trecho é mais ou menos assim: "E se um ônibus de dois andares colidir conosco, morrer ao seu lado é uma maneira tão celestial de morrer". O título também é um trecho da mesma letra. 

Desafio #19 (18/02/2018)

Desafio #19 (18/02/2018)

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