Noite de Inverno

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Poucas pessoas sabem, mas assim como os desertos são escaldantes durante o dia, logo após o sol se pôr, chega a fazer temperaturas negativas, especialmente no inverno, quando as noites são mais longas. Um desavisado pode morrer de insolação pela manhã ou de hipotermia na madrugada, e de sede a qualquer horário.

Só solitários, sonhadores e assassinos arrependidos, o pior tipo de bandido, tem coragem de atravessar o deserto nessa época do ano, eu me encaixo nas três categoriais.

Estava há três dias da cidade onde iria comprar incenso para vender nos vilarejos. A viagem toda levava vinte e três dias, e na última semana não havia cruzado com mais ninguém, nem mesmo com as estranhas tribos que vivem na região. Será que tomei algum caminho errado? O sol dizia que não, mas as estrelas são mais confiáveis, por isso decidi acampar ali mesmo esperar que as constelações me mostrassem o caminho que deveria tomar. 

Enquanto montava a tenda, meu camelo começou a ficar agitado com alguma coisa. Tentei acalma-lo, mas quando vi, ele já estava correndo em direção à escuridão. Não tinha nada que pudesse fazer naquele momento além de acender uma fogueira e preparar uma sopa com a carne e os grãos que o camelo não levaram e dormir. "Se o deserto decidiu que está na hora da minha morte, nada posso fazer", aceitei.

Então, uma forma branca surgiam ao longe. Imaginei que fosse algum andarilho perdido atraído pela luz do fogo. Quando se aproximou, percebi que não era um, mas três homens, dervixes trajando suas roupas características de votos de pobreza.

– Irmãos – eu disse ao vê-los mais de perto – juntem-se a mim para comer algo, a comida é pouca mas será dividida com alegria.

– Aceitaremos seu convite – disseram em uníssono.

Ao se sentaram ao redor do fogo, sua palidez me assustou. A pele, o cabelo e até os olhos não tinham coloração. Faz parte das regras da hospitalidade daqui não perguntar quem as pessoas são, de ondem vem ou para onde estão indo, mas a curiosidade tomou a frente e me vi fazendo essas perguntas sem pensar.

– Somos andarilhos que assistiram muitas coisas horríveis, e por isso não mais vemos como os homens veem.

– Vocês são cegos, não havia percebido. Mas devo admitir que se movem muito bem.

– No deserto não é preciso ver com os olhos. – disse o segundo dervixe, até então em silêncio – Nós vemos com nossas almas.

– Entendo. Por favor, comam. Meu camelo fugiu agora a pouco levando o vinho, não tenho bebida para oferecer.

Comemos e contamos histórias até muito tarde. Dei meus cobertores de pele para os cegos e adormecemos ao redor da fogueira. Acordei com gritos chamando meu nome, o sol já estava alto, um mercador e seu ajudante estavam vindo ao meu encontro.

– Meu jovem, você é uma alucinação ou um fantasma?

– Não acho que sou nenhum deles. Viu meu camelo no caminho?

– Seu camelo voltou para a cidade há quinze anos. Todos pensamos que estivesse morto. Mas veja, não envelheceu um dia, diferente de todos nós.

– Do que está falando? Eu estava aqui com três dervixes cegos que...

Foi quando olhei o local onde eles adormeceram, lá havia três punhados de areia sob os cobertores.

– Seja lá o que aconteceu, acabou – disse o mercador.


***

Desafio #15 (05/02/2018)

Desafio #15 (05/02/2018)

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