7. Olhos cinzentos

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Não precisaria dizer mais do que o necessário, a garota aceitaria qualquer palavra que salvasse seu amigo.

— Elliot será sacrificado, na melhor das hipóteses. — Foi o que Low dissera a Sara horas mais cedo, no carro.

As palavras causaram o efeito de endurecer as feições da garota. Estava disposta a tudo para impedir essa hipótese de se concretizar.

— Mas podemos evitar — Low continuou, ignorando suas indecisões para permiti-la entrar no jogo. Precisava dela, contudo confiaria apenas o necessário do necessário. — Só preciso que minta por um tempo — ele a encarou — enquanto eu cuido do resto.

Eu não consigo mentir! — é o que Sara diria a um pedido desses em qualquer dia, entretanto, para salvar Elliot, não era somente uma questão de conseguir ou não, ela faria e isso já estava decidido.

— Tenho um amigo que se dispôs a cuidar do Elliot — Low prosseguiu —, porém, diremos aos outros que ele fugiu. Também pretendo tirar o localizador dele.

Ao que parecia, sem contar esse tal amigo, Low estava agindo sozinho. Isso despertou uma suspeita em Sara, que até aquele momento seguira o Dr. Crow desde que ele salvou Elliot. Se o interesse era proteger o harmínion, o doutor não devia estar envolvido também?

— Por que não posso contar pro doutor? — Desconfiança nunca antes se estampou na face de Sara; pelo menos, não na presença de Low.

Ele virou a cabeça na direção da janela como se a pergunta tivesse ricocheteado em seu rosto.

— Vai acabar em sacrifício ou coisa pior — disse, após algumas expirações e com a voz estranhamente suave. Sara conseguiu captar o ressentimento. — O meu tio tem duas escolhas. Depois do que aconteceu, não vejo outra possibilidade além da exigência para que Elliot seja sacrificado. Meu tio poderá acatá-la ou não. Se ele escolher que não, tem alguma ideia do que acontecerá ao Elliot?

Sara sentiu a garganta doer ao engolir em seco. Sacudiu a cabeça em uma resposta negativa, no entanto Low ainda admirava a vista e, mesmo não vendo o sinal, continuou:

— Meu tio irá entregá-lo ao Raymond para que ele o esconda. — A entonação na frase sugeria esta como a pior calamidade que poderia ocorrer no mundo. — E nessa resolução, considero melhor ser sacrificado.

Mesmo temerosa, a curiosidade de Sara foi atiçada e agora ela queria compreender por que o Dr. Ray seria uma péssima opção para Elliot; ela não notou nada desagradável sobre ele quando o conheceu.

— Dr. Ray não parecia tão ruim. — Comentou mirando o chão, pois teve a impressão de que a frase ofenderia Low.

— Não, ele não parece mesmo. — Ele fechou os olhos e moveu a cabeça devagar em sinal negativo, depois abriu-os e suas pupilas deslizaram para o canto; Sara não pôde adivinhar se ele estava enxergando ela ou alguma cena mental. — Mas eu o conheço desde que nasci. Sei como ele é quando não finge ser uma boa pessoa. Ele não se importa e nem faz nada por ninguém, mesmo que sejam melhores amigos ou membros da família. Tudo gira em torno de seus próprios interesses e nada está acima deles. — Encarou a garota, todavia seu olhar ia além de Sara, carregando uma expressão assustadora de ira contida que há anos não transparecia. — Ele é como um vírus, contaminando aqueles que se aproximam. Infectou o meu tio... — suavizou a expressão assim como a voz — ...e mesmo eu talvez não tenha escapado.

O drama era essencial para atingir a profundidade do argumento. Existiam, sim, resquícios de mágoa verdadeira, entretanto foram logo dizimados pelo retorno da inexpressividade.

Sara precisou de alguns segundos para pensar. Lembrava-se do sorriso bondoso do Dr. Ray. Conversara com ele somente por um breve momento, então não podia rebater Low, ainda mais depois de testemunhar uma alteração tão grande. Se Low demonstrava perturbação, então o motivo devia ser mesmo perturbador. Mas o sorriso do Dr. Ray... Não era uma base. Sequestradores também sorriam para forjar a inocência — como ela bem sabia.

Lua vermelhaWhere stories live. Discover now