25. Copo vazio

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Enquanto o copo se esvaziava, pensava em como esta seria a metáfora perfeita para definir sua vida dali a algumas horas.

Havia uma praça pequena a duas quadras do hospital, apenas com um parquinho para crianças e alguns bancos em volta. Próximo ao banco onde Sara e Low estavam sentados, uma família aproveitara o dia de sol para fazer um piquenique embaixo de uma árvore.

Com o corpo inclinado para frente e as mãos no banco, ao lado das pernas, Sara estivera observando a família, composta pelos pais, um garotinho e um bebê, que usava a mãe como apoio para se manter sentado. O garoto estava emburrado por algum motivo — ela não prestara muita atenção na conversa para saber —, em um canto do pano estendido no chão, de costas para os pais e de bracinhos cruzados.

— Qual é o problema do Dr. Crow? — Sara perguntou enquanto assistia à família.

Low, sentado ao lado dela, até lembrava o garotinho emburrado por sua expressão, inclusive os braços também estavam cruzados. Ele poderia citar vários itens de sua lista mental já existente sobre quais eram os problemas de Elias Crow; mesmo sem os itens confidenciais, a lista seria longa o suficiente para espantar a garota.

— A doutora falou que ele ainda não tá bem — ela continuou. O pai do garotinho puxou-o para o chão e atacou-o com cócegas, forçando-o a rir. — Eu sei que o tempo de recuperação do code não é igual pra todo mundo, mas acho que ela tá preocupada.

— Ele não te contou? — Low questionou, olhando para o lado oposto ao da família, como se a grama fosse uma distração menos desagradável.

A garota sacudiu a cabeça em um gesto que não foi visto por Low, entretanto o silêncio foi suficiente como confirmação.

— Não se preocupe. É insignificante. A reação dela foi exagerada. Ela se deixou influenciar pelas emoções. Deve ser o primeiro caso dessa proporção que ela atendeu. — Sem mentiras; se continuasse assim, poderia quebrar o próprio recorde. A última parte era sua opinião sincera, enquanto a primeira... pode-se dizer que o problema atual de Crow era inexistente comparado ao que estava por vir.

— Então não é nada grave? — Sara insistiu.

— O tempo de recuperação será um pouco maior, só isso. — E já retornou para as mentiras; continuaria usufruindo delas enquanto tornassem seu mundo conveniente.

Satisfeita pela resposta, ela viu o garotinho correr em direção ao playground seguido pelo pai. Observou os dois brincarem, imaginando se algum dia poderia trazer Elliot a um lugar como aquele.

— Já sabe como salvar o Elliot? — inquiriu.

Era uma conversa sem contato visual. Sara estava triste demais para notar esse detalhe, enquanto Low contava os segundos que restavam até que pudesse se livrar do peso desnecessário. Não concordara com a ideia de deixar a garota com Daniel — ela poderia se tornar um empecilho outra vez —, no entanto, infelizmente era Crow quem tinha a guarda dela.

— Sim — veio a resposta áspera e impaciente.

— Sempre confiei no doutor Crow... e, se a Mori também achou melhor voltar pra casa pra ficar fora do caminho de vocês, então talvez seja melhor eu fazer o mesmo.

Sara mal concluiu a frase, quando ouviram um alarme curto que durou apenas dois toques. Low levou a mão à frente de seu rosto e fez um gesto com o indicador, como se pressionasse um botão. Na visão proporcionada pelos óculos, existia, de fato, um botão holográfico ali.

— Chegou — ele informou, sem uma única amostra de emoção.

Ambos se dirigiram em direção à esquina da praça. Enquanto andava, a garota olhou para a família uma última vez, despedindo-se em silêncio. A mãe lia um livro, o bebê dormia no colo dela e o garotinho e o pai ainda brincavam no playground.

Lua vermelhaWhere stories live. Discover now