9. Fúria neutra

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A fúria crescia. O medo era o divertimento para outros olhos. Mas o rancor, ocultado pela neutralidade, guardaria tudo para o momento propício.

Maurício era o tipo de pessoa que sabe o quanto a preocupação é desnecessária para resolver um problema, então mesmo levando um harmínion no carro em uma estrada lotada e em plena luz do dia, ele ainda era capaz de ler um livro com serenidade durante a viagem, como se não estivesse fazendo nada de mais grave do que levando um sobrinho para passear. Para acrescentar às justificativas de que não aconteceria nada de errado, um harmínion adormecido não era tão chamativo.

Talvez, considerando a reputação da espécie, ele devesse sentir medo de ter um exemplar perigoso ao seu lado, porém os vídeos que Low enviara diziam o contrário daquelas velhas lendas para assustar criancinhas; embora ele, hipócrita, gostasse de contá-las às crianças para assustá-las... Corrigindo: para diverti-las.

A poucas páginas de concluir o capítulo que lia, ouviu o telefone do carro tocando. Pressionou o painel à frente para atender, economizando o tempo que demoraria lendo o nome da pessoa que ligava.

— Olá! — Atendeu com excessiva simpatia, como se a vida fosse regada a diamantes.

— Oi, amor. Deu tudo certo? — Era uma voz feminina que, apesar de demonstrar alívio, ressaltava resquícios de urgência.

— Sim, sim, pode ficar tranquila que eu levarei o pacote ao lugar combinado — disse ele com seriedade.

— Vai pedir férias amanhã? — ela perguntou, ignorando a piada tosca e típica das quais já estava acostumada.

— Avise que eu pirei e fugi de casa. Não aguento mais dar aulas e estou perdendo a sanidade; é mais seguro para os alunos se eu adiantar as férias. Eles vão entender.

— Ou não. Parece mais que foi afastado e usaram uma desculpa para não descobrirem que foi levado a um hospital psiquiátrico.

— Isso você diz aos meus alunos. — Ele sorriu. — Será engraçado quando eu voltar.

Ela soltou um riso mínimo antes de ficar séria.

— E o Low? — perguntou.

— Vai vir quando as coisas se acalmarem.

— Ok... E o Elliot? Está aí? Posso falar com ele? — De repente a voz dela ganhou entusiasmo.

— Está dormindo. Precisa mesmo descansar depois de tudo o que aconteceu.

— Tudo bem, eu falo com ele quando nos encontrarmos. Tem mais alguma coisa que eu possa fazer para ajudar vossa alteza?

— Um banho quente seria ótimo.

— Como quiser. Vou deixar preparado aqui, esperando por você. Não me culpe se estiver fria quando chegar — ela ironizou.

Maurício fechou o livro que tinha em mãos.

— Continue falando comigo. Pode caçoar de mim; adoro sua voz.

Ela emitiu um riso soprado.

— Acho que vou ter que carregar o Elliot quando chegar. — Maurício observou o harmínion, que dormia com o bicho de pelúcia em cima do peito. — Parece que ele virou uma pedra.

— É bom para você ir treinando.

— Eu não preciso de treino, essa é a minha especialidade. Mas e você, quando vem treinar?

— Assim que possível.

Continuaram conversando mesmo quando o carro se afastou dos demais para seguir em uma estrada vazia. No caminho, passou por um portão automático que permitiu a entrada do veículo ao detectá-lo. Essa era uma boa garantia de segurança; caso suspeitassem que o harmínion estivesse ali, precisariam passar por toda a burocracia antes de poderem entrar em sua propriedade.

Lua vermelhaWhere stories live. Discover now