Perdoem-me o cliché

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Não sou o tipo de rapariga que faz retrospetivas de final de ano.

E mesmo que fosse, sinto que já estou ligeiramente atrasada para o fazer. 

Todos os anos sentimos a necessidade de nos convencer que depois da meia noite tudo vai mudar. Fazemos promessas que não cumprimos, desejamos coisas que no final do ano já nem nos recordamos de ter desejado.

Em seguida partilhamos publicações e fazemos piadas  sobre como o ano que se segue será igualmente mau ao anterior. 

Porque fazemos isto?
Para baixar as expectativas, para não esperamos demasiado, e cair ainda mais profundamente no desânimo que está sempre à espreita.

Geralmente não penso muito nisto,  mas sinto que este ano preciso de o fazer.

Há precisamente um ano atrás estaria a planear o que faria quando acordasse. Preocupada com questões fúteis como a roupa que usaria, a maquilhagem, o cabelo. Como parecer  a namorada perfeita.

Essas questões fúteis eram sem dúvida o que fazia o meu dia valer a pena. Saber que ia chegar, e o meu namorado ia olhar para mim com aprovação. Ia esquecer que não estava feliz. Ia rir de cada piada feita por ele. Ia oferecer o meu melhor sorriso a cada elemento da família dele que me ia abordar.

Ia ajudar a mãe dele na cozinha. Discutir questões culturais com o pai dele. 

Iria ouvir alguém elogiar-me, a relembra-lo o quão sortudo ele era por ter alguém como eu.
Ia deitar-me, já cansada, com um sorriso no rosto, a pensar o quão sortuda era por ter uma relação tão estável e duradoura.
Pela primeira vez em quatro anos, o dia de hoje não será assim.
O último ano trouxe tantas mudanças na minha vida. Nem sequer consigo inúmera-las. Mas vou tentar, certamente.

Em Janeiro o meu desânimo foi tão intenso, que a simples tarefa de me levantar pela manhã tornou-se um verdadeiro desafio. Não estudei nada para os exames da época normal. Mantive a minha cabeça ocupada com a época de recurso.

Em Fevereiro o meu namorado decidiu fazer-me uma surpresa no dia dos namorados. Apareceu na faculdade com flores, à frente de toda a gente. Ao invés de ficar feliz, a primeira coisa que fiz foi perguntar: O que estás aqui a fazer? Uns dias depois, terminei com ele.


Em Março fui abalada com a culpa de ter desperdiçado quatro anos da minha vida com alguém que não amava. Com a culpa de destroçar um coração tão bondoso, com tanto amor para dar.


Em Abril decidi aceitar o convite de uma pessoa que já estava na minha vida há muito tempo. Fui visita-lo a sua cidade Natal. Tínhamos muita conversa para por em dia. Acabamos aos beijos, com a praia como fundo. Um mês depois, ele disse-me que a namorada estava grávida e que tencionava pedi-la em casamento.


Em Maio fui pela primeira vez a Aveiro. E certamente nunca me vou esquecer desse dia. Das melodias silenciosas que partilhei com uma das pessoas mais importantes deste ano. Foi ele que me relembrou o que era ter amor próprio. Levou-me a todos os sítios onde ia para pensar, e contou-me histórias e histórias sem fim dos seus amores e desamores, ao som do mar.

Em Junho decidi explorar a minha liberdade, os meus limites, e lancei-me em encontros às cegas, com pessoas que geralmente não voltei a ver. 

Em Julho, conheci um belo rapaz, numa noite quente de verão, que me fez sorrir por horas a fio. Fui dormir naquela noite com um desejo imenso de o voltar a ver. E voltei, vezes e vezes sem conta.

Em Agosto o calor dos braços e dos beijos dele foram tudo o que me fizeram manter-me de pé. Os dias passavam a correr, sempre à espera que o fim de semana chegasse, só por o voltar a ver. O amor por ele surgiu tão depressa que nem dei por ele, quando dei por mim, já era tarde de mais.

Em Setembro o meu amor próprio falou mais alto, e proibiu-me de continuar a entregar-me a alguém que tinha medo de ser só meu. Proibi-me de investir numa coisa que não tinha pernas para andar. Ele estava carregado de fantasmas do passado, tal como eu. As discussões começaram, muitas verdades foram ditas, e ele convenceu-me a ficar mais um pouco, prometeu abdicar de todas as outras, por mim.

Em Outubro, ele cumpriu a sua promessa. Fez-me sentir tão feliz, que já nem me lembrava como era sentir-me assim. Ficava a olhar-me com um sorriso sempre que eu atravessa as portas do comboio na sua direção, sem nunca me fazer esquecer o quão bonita eu estava. E numa bela tarde de Outono confessou o seu amor por mim.

Daí em diante só existem lembranças felizes. Com ele, com os meus amigos, com a minha família inclusive.

Mas a verdade é que há sempre algo de errado em mim. Algo que me diz que não posso permitir-me ser feliz. Que não posso entregar-me de braços abertos à felicidade que me rodeia.

Acordo a meio de longos pesadelos em que ele me diz que já não me ama mais. Em que a minha família não me compreende. Em que falho miseravelmente na faculdade. Em que não consigo arranjar emprego. Em que estou sozinha, no meio do nada.

Estes pesadelos deixam os meus pés presos à Terra. Dizem-me que devo apoiar-me só em mim mesma, porque tudo o que está a sustentar esta felicidade que me envolve pudera ser só passageiro, e eu sei que não aguentaria outra queda, não de tão alto.

Vejo-me perdida em crises existenciais, a criar problemas onde eles não existem, só para garantir que não me entrego completamente a esta felicidade.

Mas tudo isso parece não ter importância quando estou nos braços dele, e espero que assim continue, por muito tempo.  

Apenas sei que 2018 foi um ano de surpresas, mas sobretudo de libertação. Onde consegui fugir de um longo relacionamento que não me fazia feliz, onde cometi vários erros que me ensinaram tanto, onde aprendi a amar-me, ainda que esteja a aprender a fazê-lo agora. Mas sobretudo, encontrei o amor, quando achava que nunca seria capaz de me permitir amar novamente.

Assim termino esta reflexão tão confusa,

2019, surpreende-me.


Aquilo que eraWhere stories live. Discover now