VII- Use somebody

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Hoje é o último dia.

Fiquei três meses em um estado terminal, jogada no sofá me drogando o máximo que podia sem ter uma overdose, bebendo e comendo todas as porcarias que sempre gostei.


Eu fiquei sozinha na sala de reuniões da Marvel por horas conversando com Tracy. Eu era matéria do E! News quase todo dias pelas merdas que fazia em público, e as que fazia privadamente acabavam vazando de qualquer maneira. Como pararia de ser notícia assim, de repente?

E, além do mais, eu nunca fui para rehab, mesmo quando decidi que pararia com tudo. Estava com medo.


Flashback on

"Eu encontrei esse cara no mercado, muito bonitinho. Eu usava uma regata com um belo Victoria's Secret de renda preta aparecendo por baixo, diferentemente do moletom que estava acostumada, e isso possibilitava que ele visse as marcas no meu braço. Eram alguns furos pequenos, rodeados por hematomas roxos e alaranjados. Isso acontece quando eu injeto já chapada, acabo errando a veia e fica tudo uma merda. Anyway, o cara me chamou pra ir no AP dele, que iria ter muita "coisa da boa". Isso significa drogas. E eu fui.

Chegando lá, nos sentamos juntos no sofá e nem deu tempo de rolar uma conversa. Ele abriu uma caixinha que estava na mesa de centro, onde várias pessoas já se encontravam em volta arrumando suas carreirinhas, fumando algo ou até mesmo desmaiados no chão. Eu estava num dia muito difícil.

Cinco anos sem a minha mãe.

O cara pegou meu braço delicadamente, esticou, e mostrou a seringa já com o líquido preparado. Tinha mais do que eu era acostumada a injetar, mas realmente queria desligar minha cabeça naquele dia. Deixei. Conforme ele injetava, meu corpo relaxava... Minha mente ficava quieta... Começando a pagar, ficar escura... Apenas com a imagem dela.

Minha mãe, sorrindo, no último Natal que nos vimos.

Eu sorri também, e logo tudo já estava totalmente escuro e fora do meu controle.

Acordei em um hospital, cinco dias depois. Uma enfermeira chegou assim que eu abri os olhos, chamando o médico logo em seguida.

Eu tive uma overdose. Fiquei inconsciente durante todo esse tempo.

Ninguém sabia quem me deixou lá, pois a pessoa apenas descarregou meu corpo na porta e foi embora. E, também, ninguém sentiu a minha falta. Ninguém se importou com onde eu estava. Ninguém ligou para alguma amiga minha para saber se eu estava bem. Nem para saber se eu estava viva. Porque, realmente, eu não fazia a menor diferença.

Fiquei três meses sóbria, constrangida, sem contar isso para ninguém. Eu estava melhorando, esquecendo de toda a minha vida em biqueiras e alucinações, até minha vida se enfiar num buraco de novo..."

Flashback off


Naquele dia em que a Marvel queria exigir mais de mim do que meu pai durante toda minha vida, fiquei por horas pensando que nunca conseguiria cumprir aquilo tudo. Três meses em rehab? Eu não conseguia ficar três horas sem usar algo sem ter dor de cabeça.

Para minha sorte, Tracy não desiste tão fácil assim de mim... Ela se levantou muito irritada, do nada, batendo com força na mesa. Gritou que eu deveria sentir vergonha de ter tanto medo de viver.

Abaixei a cabeça e pensei por muito tempo no que ela disse.

Eu tenho medo de viver.

Eu estou tão acostumada em perder que apenas me conformei que é isso que a vida tem para me oferecer. Estar sempre chapada, fazer merda e morrer em algum apartamento por aí. Ser encontrada dias depois por não aparecer no trabalho, porque esse é o único lugar que as pessoas se importam com a minha existência, já que são pagas pra isso. Ser achada em uma banheira com uma agulha de heroína enfiada no braço. Sair nos jornais com uma foto do meu corpo todo furado, mutilado, desgastado. Estar com o meu nome em primeiro nos Top Trends do Twitter, mas apenas com pessoas dizendo que já sabiam que isso ia acontecer ou que é o que eu merecia. Ter um funeral lotado de pessoas que me odeiam, que vão apenas para comentar o quanto eu fui uma pessoa odiosa e o quanto a minha morte as deixou feliz.

Será que esse é realmente o único futuro que eu posso ter? Será que existe, em algum lugar, um Deus que possa me tirar disso e me mostrar que eu posso ser uma das modelos clichês e tediosas que se casam com caras interessantes, tem uma renca de filhos e os levam para conhecer o mundo todo? Será que eu, Bianca, a 'menina' que já foi processada treze vezes, presa cinco, posso ter uma segunda chance ou dar uma primeira chance à vida?

Foi por isso que aceitei o emprego com a Marvel, mesmo com todos os termos que foderiam muito comigo para serem cumpridos. Essa é a minha segunda chance. Essa sou eu dando a primeira chance.


Hoje eu iria à reabilitação. Uma clínica chamada Promises, em Malibu – Califórnia. O próprio Robert Downey Jr. já ficara internado lá. Eu precisaria ficar três meses, obrigatoriamente. No primeiro, isolamento total, sem redes sociais, ligações ou qualquer tipo de contato com o mundo externo e nem mesmo com os outros nove pacientes exclusivos. No segundo, duas saídas com um acompanhamento de um psicólogo da clínica. No terceiro, caso tudo desse certo, saídas todo fim de semana sozinha.

Peguei todas as bolsas e tudo que se relacionava com o meu vício. As agulhas, seringas, toalhas manchadas de sangue, as gavetas cheias de drogas, as camisetas que me lembravam de dias que me entupi de cocaína em festas, tudo que fizesse alusão a essa vida solitária. Levei tudo para a sala do meu apartamento, movi a mesa de centro para o canto, despejei tudo ali no meio e enchi de álcool. Ateei fogo.

Ateei fogo em tudo que me lembrava de todo o sofrimento que passei por esses anos. De todas as vezes que escondi a minha dor em um mundo de alucinógenos, de brigas e de relações superficiais em que eu sentia prazer em machucar o outro. Ateei fogo em tudo que me lembrava do olhar da minha mãe antes de partir, do sangue em minhas mãos do filho que nunca tive, dos remédios retirados do meu estômago quando eu queria morrer e dos hematomas de quando tive o corpo violado.

O que estava pegando fogo, na minha frente, era eu.

Mas tudo bem, porque eu renasceria. Eu queria renascer.

addicted to you {chris evans/adriana lima}Where stories live. Discover now