Entrada VII

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Oi

Ainda tô na merda. Na mesma merda. Hoje faz uma semana que estou na casa do Bruno e já me sinto um peso morto. Preciso sair daqui o quanto antes. O Bruno é fora de série; eu amo esse cara. Ele diz que eu posso ficar quanto tempo eu quiser ou precisar, que é sempre bom me ter por perto e que eu faço companhia pra ele... E é verdade. Ontem fomos assistir filme no quarto dele e, no final, ele tava dormindo abraçado em mim. Na verdade ele se virou, dormindo, e eu o ajeitei. Bruno é um veadinho muito fofo, e digo isso com a maior ternura; você sabe que eu não sou preconceituoso.  Na verdade você não sabe porque não me conhece o bastante, mas eu estou dizendo que não sou, então acredite. Muito pelo contrário, aliás: acho que oitenta por cento dos gays que eu conheço são melhores do que eu em qualquer coisa, inclusive em ser humano. Basta olhar o que o Bruno tá fazendo por mim. Acho que dessa vez ele e o Otávio não voltam, não. Conversei com o Bruno dia desses e parece que agora é sério... Ele parece estar bem na maior parte do tempo, mas às vezes vejo que ele tá mal. Fico sem saber como agir. Não sou a melhor pessoa do mundo pra consolar os outros, até porque ultimamente quem tem precisado de consolo sou eu. E tá sendo difícil manter essa história em segredo... Eu pensei em ir pra casa da minha avó, mas não dá pra chegar lá de mala e cuia. Não posso dar explicações porque estou jurado de morte se abrir a boca... Tá complicado. O jeito é arrumar um emprego e sair daqui; arrumar meu próprio canto. Consegui uma entrevista pra semana que vem pra dar curso de Autocad. Não me falaram o salário nem nada, mas, na situação que eu tô, qualquer coisa tá valendo.

Minha mãe me ligou ontem e, cara, alguma coisa em mim mudou. Pra pior. Parece que ela não é mais minha mãe; parece que é alguém que me apunhalou pelas costas e eu não consigo perdoar. Eu perdi a capacidade de sentir compaixão por ela. Me ligou pra saber como eu estou. Como é que eu estou? Tô na rua, morando de favor (nem tanto, que eu vou ajudar com as despesas), tendo que me virar sem saber como, desempregado... É lógico que não tá nada bem. "Mas você tem que entender, meu filho". Acho que o pior é ela ficar defendendo aquele filho da puta. Desculpa, eu não sou de xingar, mas esse cara mexe com o meu lado podre. E tem isso ainda, sabe? Eu agora me pego pensando em vingança. O tempo todo. E me refiro a vingança com requintes de crueldade; vontade de moer ele na pancada e arrebentar a cabeça dele no chão até ver a poça de sangue nascer debaixo dele... Deus me perdoe.

Estou muito triste, no final das contas. Queria chorar, mas não consigo. Quando volto da faculdade à noite, é uma sensação estranha. É como se eu chegasse em casa, mas não no lar. A casa do Bruno não é meu lar; este colchão não é minha cama... Me sinto um hóspede prestes a ir embora, sabendo que a hora de partir não vai chegar. Me sinto uma planta fora do vaso. Me arrancaram as raízes. Pelo menos não estou sozinho.

Vou tentar dormir. Tá um frio da porra e eu não sei se esse cobertor vai bastar. Nos falamos em breve.

Vincent (romance gay)Where stories live. Discover now