Entrada XXV

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E aí?

Como você tá? Eu até que tô bem, cara. Acho que a vida tá voltando ao normal. Tô fazendo meus programas, ganhando meu dim dim, ainda pensando em como fazer o desgraçado pagar pelo que fez/faz, conhecendo uns caras meio loucos por aí... Hoje, por exemplo Ah, é! Preciso falar de hoje! Saca só: atendi um louco. Esse eu não vou nem falar nem inventar um nome: vamos chamar só de louco.

Me procurou pela internet, no Face. Leu minhas informações lá, perguntou minha idade, meu preço e se eu fazia coisas mais “hardcore”. Ressaltei que não fazia nada que me pusesse em contato com substâncias que saem do corpo humano e ele disse que não era a esse tipo de coisa que ele se referia. Então tranquilo, né? É. Perguntei o que ele queria fazer, mais especificamente, e ele disse que gostava de ser dominado. Eu, particularmente, nunca me atraí muito por essas coisas de sadomasoquismo. Tá certo que, de vez em quando, brincar de fingir que prendeu os pulsos da pessoa pra imobilizá-la e se sentir no comando é legal, mas nada além de coisas nesse nível. Esse negócio de “prazer e dor” a mim, pelo menos, nunca atraiu. Mas, como eu não estou nesta Terra pra questionar as parafilias de ninguém, falei que tudo bem, mas que, pra fazer essas coisas, eu cobrava mais caro. Ele não questionou. Marcamos o programa pro final da tarde.

Como sempre, fui esperar na Mesquita. O carro dele era popular; nada de muito chamativo. O dono: estatura médio-baixa, cabelo meio calvo no meio, olhos fundos, ligeiramente gordinho; devia ter uns quarenta e poucos anos. Muito sério, ele; não deu nenhum ar de riso durante a viagem nem depois. Fomos pra casa dele, que era perto da casa do desgraçado, mas em outro bairro. Chegando lá, tudo normal: uma casa como outra qualquer. A novidade, porém, veio quando chegamos a determinado quarto. Certamente não era o quarto onde ele dorme, porque, veja: tinha umas coisas que eu sequer consigo descrever. Tinha, tipo, cordas saindo da parede. Não “saindo da parede”, mas presas à parede. É difícil descrever. Tinha uns objetos que eu nem ousei perguntar pra que serviam espalhados pelo chão; umas coisas pretas, de couro, umas máscaras, duas tábuas verticais em forma de X, uns dildos de vários tamanhos, cores e formas... E as paredes eram pintadas de preto.

“Eu já volto”, ele disse, saindo do quarto. Fiquei só observando aquele cenário bizarro e torcendo pra ele não ter a ideia de usar nada daquilo em mim, porque, olha, não ia dar certo, não: tinha coisa ali que não dava nem pra imaginar onde enfiar. Quando ele voltou, trouxe meu pagamento e uma roupa preta de couro, tipo macacão. “Eu acho que esse deve servir”, ele disse, me entregando a roupa. Ele ficou esperando eu me trocar, e eu não me incomodei em fazer isso na frente dele.  “Ótimo”, ele falou. Ótimo na cabeça dele, porque tava apertada aquela joça. Tinha um espelho perto da porta e eu fui me olhar. Fiquei parecendo policial de filme pornô, que prende a atriz e transa com ela na cela. Bom, ele tirou a roupa também e ficou só com aquelas cuecas que eu não sei o nome, que são fechadas na frente e, atrás, só tem duas tiras. A bunda fica à mostra. Eu sei que se usam dessas em alguns esportes, mas não sei o nome. “E aí? O que vai ser?”, perguntei. Ele se ajoelhou e disse, sem me olhar nos olhos: “Eu quero ser dominado”. Ser dominado também não fez tocar nenhum sino na minha cabeça. “Tá... Dominado como?”, perguntei, ainda bastante confuso. “Pode fazer o que quiser comigo, senhor”. Duas coisas aí: primeiro: ser chamado de senhor me fez sentir um negócio muito estranho; aquele “senhor” certamente não era um endereçamento respeitoso, mas uma forma de me dar autoridade. Não sei dizer por que, mas bateu um tesãozinho bom quando ele disse. Segundo: “pode fazer o que quiser comigo” é um alvará muito perigoso. Fosse eu, não sairia dizendo isso pra um desconhecido, que no caso era eu, um reles garoto de programa que ele encontrou na internet. “Tudo o quê?”, perguntei. “O que o senhor quiser, senhor”. A conversa tava meio cíclica: todas as perguntas levavam àquela resposta, então decidi parar de perguntar. Mas eu ainda precisava saber das coisas. “O que o senhor quiser”. Ora, e se eu decidisse matá-lo? Ele deixaria? É por isso que eu não entendo o que se passa na cabeça dessa galera.

Vincent (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora