Entrada XLIX

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Caderno!

Cara, eu tô tão, mas tão, mas TÃO feliz que eu nem sei dizer! Não, não: o desgraçado não morreu, infelizmente. Tô falando de coisa boa mesmo, realmente boa!

Foi hoje à tarde, depois da chuva. Eram quatro horas mais ou menos. Eu tinha dois programas à noite e aproveitei a tarde pra passar no mercado e comprar umas coisas aqui pra casa. Nesse meio tempo, meu celular tocou. O de programa. Atendi normalmente e a voz do outro lado perguntou: “Daniel?”. Era uma voz familiar, mas que eu não consegui identificar de primeira — sem contar que quem me liga no telefone profissional não me chama de Daniel. “Sim? Quem fala?”, perguntei. “Oi, Daniel... Aqui é o Bernardo; não sei se você lembra de mim”. O Bernardo, caderno!!! Dei um grito, praticamente, dentro do mercado: “E aí, cara?!”, perguntei, prolongando o som de cada vogal em uns três segundos. “Oi! [ele não perdeu a mania de ficar falando vários “oi” ao longo da conversa, pelo visto] Tudo em paz. E você?”. Eu estava realmente muito feliz por estar falando com ele, caderno! “Eu tô bem, também! Nossa! Que bom ouvir sua voz, cara!”, eu disse. Fiz questão de que ele soubesse da minha satisfação. “Imagina”, ele respondeu, “Eu tô te atrapalhando?”. “Não, tá tranquilo; pode falar!”. Estacionei meu carrinho do mercado perto de um freezer e me encostei noutro. “Então, na verdade eu tava procurando um número aqui na agenda, passou ‘Vincent’ e eu resolvi ligar só pra dar um oi”. Olha que querido! “Mas que coisa boa, cara! Fico feliz demais! E como cê tá? Como é que vai a vida?”, perguntei. “Nossa, Daniel, minha vida virou de cabeça pra baixo desde que eu te vi aquela vez... Muita coisa aconteceu. Muita mesmo”. “Sério, cara?”, perguntei, “O que é que rolou? Me conta”. “Não, não, não; já estou roubando muito do seu tempo; liguei só pra dar um oi mesmo”. Já devo ter comentado aqui que me incomoda um pouco o fato de as pessoas acharem que o meu tempo está sempre à venda. “Imagina, rapaz”, respondi, “Escuta: você tem compromisso hoje à noite?”. “Tenho que guardar umas coisas no estoque e dar uma arrumada nas mesas, só”, ele respondeu e eu não fazia ideia de a que ele se referia. “Eu devo terminar de atender hoje por volta das nove e poucos. A gente não pode se encontrar depois disso?”, sugeri. “Claro, pode sim. Você pode vir aqui no bistrô; é no centro mesmo, perto da Santo Afonso”. Também não sabia que tal bistrô era esse, mas ele me passou o endereço e não era difícil chegar, não. Nos despedimos pelo telefone depois de ele me passar o endereço e ficou combinado assim, de eu encontrá-lo lá.

Voltei pra casa com as compras e o Bruno estava lavando a louça do almoço (preciso escrever sobre o Bruno, mas não vai ser hoje). Eu o ajudei com a louça, depois ele me ajudou a guardar as compras. Avisei que provavelmente eu não jantaria em casa. Não expliquei em detalhes porque aí eu teria que contar a história do Bernardo e eu tava com preguiça; só falei que ia atender meus dois clientes da noite e depois sair com um amigo. E dessa forma foi. A noite chegou, fui pra Mesquita, atendi os coroas (um deles tinha fetiche por pés e fez uma massagem sensacional nos meus. Vou pedir pra ele me ensinar depois) e pedi pro último já me deixar lá no centro, mais ou menos perto do endereço que o Bernardo havia me passado. De lá, fui caminhando até o local, perto da praça. Demorei um pouco a localizar porque estava meio difícil enxergar os números à noite, mas acabei encontrando: Chez-soi Bistro, o nome do lugar; um bistrô, mesmo, não muito grande, mas extremamente confortável.

Quando me aproximei mais, percebi que estava tudo fechado, mas, como Bernardo me disse que estaria lá, bati na porta algumas vezes. Logo vi uma luz se acender em algum lugar e, segundos depois, Bernardo surgir pela transparência da porta de vidro. Sorrimos juntos. “E aí, cara?!”, nos cumprimentamos com um abraço forte bem forte, daqueles que a gente fica cambaleando pra lá e pra cá e roçando o ombro do outro e não sente vontade de soltar. Bernardo continuava lindo como da última vez, só parecia um pouco mais magro. “Que bom te ver!”, eu disse pela vigésima vez. Mas é sério; eu fiquei tipo muito feliz por vê-lo. “Bom te ver também! Vem, vamos entrar!”, ele disse quando nos desvencilhamos. Trancou a porta de vidro da frente novamente e nós entramos. “Que bom que você veio!”, Bernardo disse, ainda sorrindo. “Imagina. Sua ligação foi uma surpresa muito boa!”. Perceba: ficamos nessa explosão de arco-íris de felicidade por algum tempo. Depois, fomos para a cozinha do local, onde Bernardo contava o estoque ou algo assim antes da minha chegada. “Vou fazer alguma coisa pra gente comer. O que você quer? Aqui tem de tudo um pouco”, ele disse. “Você que manda... Eu não sabia que você cozinhava”. “Eu não cozinho muito, na verdade; fico mais fiscalizando e fazendo a parte administrativa”, ele respondeu, pegando um pacote de macarrão dentro de uma peça. “Mas você não trabalhava aqui quando eu te conheci, né?”, perguntei. “Não, não; eu trabalhava com o meu pai; este bistrô é uma longa história”. Bernardo foi até uma mini adega perto da geladeira e pegou um vinho qualquer (“vinho qualquer” porque eu não entendo de vinho). Trouxe duas taças e nos serviu. “Isso já faz parte da mudança radical que você falou?”, perguntei, me referindo a ele trabalhar no bistrô. “Ah, sim, faz, mas essa é a parte mais ou menos boa da história”, ele disse. “Conta a história toda. Tô curioso!”, pedi.

Vincent (romance gay)Where stories live. Discover now