Entrada XXXVIII

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  • Dedicated to Fernanda Folle
                                    

Fala, meu caderninho...

Mais uma semana de vida... E aí? Como cê tá? Eu tô bem, graças a Deus. A vida até que tá boa, nada de muito preocupante acontecendo, tô ganhando bem — e gostando até demais do meu trabalho —... Nada pra reclamar, eu acho. O Bruno tá melhor também. Obrigado por ter torcido por ele. Já saí do meu papel de melhor amiga e voltei a ser melhor amigo. A gente tá numa fase muito boa. As férias do fim do ano estão chegando; mês que vem já é dezembro e acho que vou chamá-lo pra gente viajar pra algum lugar. Tava pensando em chamar o Paulo também, até a Analice, se ela quisesse ir com o namorado, mas não sei se eles aceitariam; só o Bruno que é mais certeza. Vou pensar melhor nisso em breve; por enquanto é só uma ideia romântica que pareceu muito divertida na minha cabeça. Em janeiro tem meu aniversário também; qualquer coisa eu deixo pra tentar ir nessa data. Só quero tirar uns dias de folga. Por mais que eu consiga administrar meus próprios horários, às vezes fico cansado. Um tempo pra esfriar a cabeça e passar uns dias sem transar vão ser muito bem-vindos. Eu pensei que não fosse possível enjoar de sexo, cara, mas estou chegando à conclusão de que é possível, sim. Tem dias que eu acordo disposto e penso “Hoje é dia!”: como todo mundo com a maior disposição. Tem outros que acordo e penso “Será que a gente não pode só deitar e ficar quieto?”. Em todo caso, tenho que trabalhar. Mas isso é só de vez em quando; no geral eu consigo desempenhar minhas funções satisfatoriamente todos os dias... E por que estou falando disso? Acho que comecei a viajar e esqueci o que eu vim falar... Pera aí.

Ah! Sim! Sabe quem me ligou anteontem? A Luísa! Fui até rever os nomes aqui. Sim, a Luísa, loirinha, fofinha, mulher do Mauro, negão, sarado, personal trainer, lembrou? Aliás, é bom contar essa história mesmo, que foi muito engraçada. Nós fizemos programa de novo, sim, mas a situação que nos levou ao programa... Seria trágica se não fosse cômica. Luísa me ligou anteontem de manhã, lá pelas dez, com uma voz um tanto preocupada. Perguntou se eu tinha horário pra atender antes das 19h e eu respondi que sim. “Eu preciso é meio que de um favor, na verdade...”, ela explicou. Perguntei o que era o favor e ela continuou explicando: “Eu e o Mauro brigamos, sabe? Peguei ele e uma aluna dele conversando e surtei. Eu não sou ciumenta assim, juro!, mas, não sei por que, quando vi os dois conversando e rindo, fiquei possessa e acabei fazendo um drama horrível, e o Mauro tá muito puto comigo... E ele não tá conversando comigo, e eu tô muito arrependida e não consigo falar com ele... Daí pensei que seria uma boa ideia você vir aqui e me ajudar a dar um jeito nisso”. Veja que eu não exagero quando questiono a sanidade das pessoas quando elas vêm com essas ideias. “E como é que eu posso ajudar, meu Deus?”, perguntei. “Ele não sabe que eu estou te ligando. Você chega aqui em casa de surpresa, aí ele vai entender o que tá acontecendo e a gente faz as pazes transando... Você não acha que pode dar certo?”. Eu não fazia a menor ideia de se poderia dar certo ou não, mas o marido dela e ela certamente se conhecem melhor do que eu, então, se ela acha que pode dar certo, é porque pode. Concordei com a ideia e pedi o endereço, pra eu chegar lá de ônibus ou a pé, dependendo da distância, que eu não me lembrava bem qual era. Ela me passou, eu anotei e ela ficou de me dar um toque no celular quando ele chegasse em casa, pra eu ir.

E assim foi. Pouco depois das seis, ela me deu o toque. Entendi que ele havia acabado de chegar em casa, então eu teria alguns minutos de intervalo até chegar à casa deles. Acabei indo de ônibus, porque, se fosse a pé, acabaria transpirando e eu não queria aparecer lá suado. Toquei a campainha e logo Luísa apareceu, visivelmente nervosa, abanando as mãos. “Oi, Vincent! Chegou bem na hora!”, ela sussurrou, me cumprimentando com um beijo em cada lado do rosto. “Ele ainda tá puto?”, perguntei. “Tá! Vamos chegar na cozinha como se você estivesse só fazendo uma visita, tá? Ele vai entender”. Eu, pra ser sincero, ainda não fazia a mais pálida ideia de qual seria minha função naquela cena toda. Falando, parecia fácil ajudá-la, mas, em termos práticos, o que é que eu poderia fazer pro cara ficar de boa com ela? Eu não ia chegar arrancando a roupa dela e deixando ele assistir; disso eu tinha certeza, mas, de resto, eu estava completamente perdido. Entramos na casa e fomos pra sala, onde Mauro estava sentado no sofá, assistindo ao jornal. “Visita...”, Luísa meio que cantarolou. Meu rosto devia estar vermelho de vergonha, e ficou ainda mais vermelho quando Mauro me olhou, sem dizer qualquer palavra. Acenei com uma mão e forcei um sorriso, enfiando a outra mão no bolso. Luísa se sentou no sofá que ficava de costas pra entrada; Mauro estava no de frente à TV e a fuzilou com os olhos, tadinha. “O que significa isso?”, ele perguntou, muito sério. Percebi Luísa ficar sem graça pelos gestos que fazia, de costas pra mim. Caminhei até o lado dela, ainda com as mãos no bolso, mas não me sentei. “Eu... chamei o Vincent pra fazer uma visita”, ela respondeu. Ele me olhava, depois olhava pra ela e continuava dizendo nada. E a previsão do tempo rolando na TV. “Fala alguma coisa, amor!”, ela suplicou, mas ele não respondeu. Ela me olhou com cara de quem não estava muito certa de se aquilo funcionaria e que aquele era o momento de eu tentar alguma coisa. “Cara, relaxa”, eu disse, “a Luísa já se desculpou e tal; foi só um mal entendido...”. Pareceu mais patético quando eu falei do que parece agora enquanto escrevo. Estávamos eu e ela à espera de qualquer reação dele, mas ele permanecia em silêncio. “Por que você chamou ele aqui?”, ele perguntou a ela, acenando com a cabeça em minha direção. Ela pareceu não saber exatamente a resposta. Eu também não sabia. Saber eu sabia, mas, com ele perguntando, a coisa perdia completamente o sentido. O que eu sabia por certo era que não dava pra ficar assistindo àquela cena bizarra em pé, então, casual e humildemente, fui me sentar ao lado do Mauro, mantendo certa distância. Ele não acompanhou meus movimentos; não tirava os olhos de cima da Luísa, que estava nitidamente ansiosa. Mauro ainda mudo. “Cara, esquece isso, já passou”, eu disse e, num movimento mecânico, sem qualquer sombra de segunda intenção, levei uma mão ao ombro dele, como um amigo que oferece apoio moral. O que ocorreu aí foi que, assim que o toquei, me lembrei de que, quando fizemos programa pela primeira vez, ele me ofereceu seu bem precioso (que, consideradas as proporções, estava mais para pérola negra do que “bem precioso”), e isso fez tocar um sino na minha cabeça: se aquela situação fosse sair do lugar, teria que ser por vias sexuais.

Vincent (romance gay)Where stories live. Discover now