Entrada XL

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Cara, tava tudo indo tão bem... Sempre que a esmola é demais, o santo desconfia, né? Puts... Meu, eu tô arrasado... Cê não vai acreditar no que aconteceu.

Hoje o James, motorista do JP, me ligou... pra me falar que o velhinho morreu. Puta que pariu, caderno... Eu sabia/via que ele era bem adoentado e tal, mas jamais imaginei que ele estivesse com o pé na cova assim... E foi tipo do nada. Segundo o James, eles estavam chegando em casa quando o JP reclamou de dores no peito. Passado pouco tempo, ele começou a respirar com dificuldade. James seguiu pro hospital imediatamente. Chegando lá, JP sofreu uma parada cardíaca e não conseguiram reanimá-lo... Eu ainda tô em choque. Olha como essa vida não vale nada, caderno. Uma hora a gente tá aqui, vivão e vivendo, no dia seguinte a gente pode ir dormir debaixo de sete palmos de terra... Mesmo o cara sendo só meu cliente, fiquei e ainda tô muito mal... Ele era um cliente especial, poxa; ele poderia ser meu avô... E sinto como se tivesse sido com alguém da minha família mesmo. Meu, e imagina se fosse. Aliás, não precisa nem ir tão longe: imagina se o Bruno morre de uma hora pra outra, assim. Acho que eu morro junto, cara. Puts... Quero nem pensar nisso. Nem pensar.

Bom, James me ligou porque JP uma vez disse a ele que, se algo acontecesse com ele, eu deveria ser avisado. Achei meio estranho, mas depois, pensando bem, até que faz sentido. Eu também devia ser especial pra ele, de alguma forma, afinal ele disse que eu era o rapaz que ele passou tanto tempo procurando pra fazer as paradas que ele não fez durante a vida... Sei lá. Não que essa seja a melhor situação pra se sentir assim, mas eu me senti querido, de certa forma. O cara pediu pra me avisarem quando ele morresse... Quase poético. Sei nem o que pensar direito, cara. Acho que vou passar na casa da minha avó esta semana. Melhor dar valor às pessoas enquanto elas estão vivas, né? Agora JP é morto; provavelmente nunca vai saber quão triste eu fiquei ao receber essa notícia... A não ser que ele tenha virado um espírito e agora esteja aqui ao meu lado enquanto escrevo isso, o que eu acho bem improvável, porque não boto fé nessas coisas. Ai ai...

Eu ainda tô meio que de férias de você. Passei aqui só pra te contar isso hoje e, da última vez, pra te falar das férias... Comigo tá tudo bem, não precisa se preocupar. Recebi essa notícia e vim aqui compartilhar, que é só você que sabe dessas coisas mais íntimas minhas. O Bruno também tá bonzinho; faz uns dias que não falo com o Felipe; Paulo veio aqui em casa, dia desses, pela primeira vez; tô sentindo falta da minha mãe... Ah, é: falando em minha mãe, pelo que ela me contou na última vez que conversamos, o desgraçado está de fato conseguindo se livrar do ou controlar o alcoolismo. E deve ser verdade mesmo, que, das últimas duas vezes que o vi, ele me pareceu bastante sóbrio e em ambas as vezes havia bebida alcoólica por perto. Ela não fala mais sobre a violência dele, mas tenho pra mim que isso não vai mudar, e acho que, mudando ou não, eu não vou mais saber. Pelo menos eu não vi nenhum sinal de agressão nas últimas vezes em que conversei com ela pessoalmente. Por sinal, acho que meu nível de ódio pelo desgraçado reduziu consideravelmente. É claro que eu ainda quero que ele morra lentamente, mas aquele sentimento que queimava no peito já não queima tanto... Que pena. Desejo de vingança é um negócio bom de sentir; queria eu ter tido a chance de realizá-lo. Quero acreditar que esse desejo ainda existe, só que latente em algum lugar do meu cérebro, e que algum dia eu vou ter a chance de botá-lo em prática. Meio diabólico da minha parte ter essas ideias, mas ah, ninguém é perfeito.

Vou ficando por aqui e creio que acho que penso que darei minhas férias de você por encerradas. Foi só eu falar que estava achando bom as coisas terem dado uma amenizada e boom! Logo voltamos à programação normal, sem sombra nem água fresca... Paciência. Cada um com a sua cruz, não é mesmo? Pois é... Vou deitar, que amanhã é um novo dia. De novo. A gente se fala qualquer hora. Um abraço!

Vincent (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora