Capítulo 03: SOMOS HUMANOS

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SOMOS HUMANOS!


"O Ser Humano é Travessia" - Dagiós


As adversidades, representadas por todos os tipos de situações, sejam elas físicas ou emocionais, são objetos de diferentes abordagens. Influenciados por todo um pensamento religioso moderno, centrado no sucesso e na cura de todos os males, a cultura religiosa popular tem formado o conceito de que certas coisas não sobrevêm aos "crentes". Especialmente quando o assunto é depressão. É comum ouvir: -"Crente não tem depressão". Parece que a única razão e objetivo do cristianismo é a cura das enfermidades! E, quando essa cura não acontece, fica uma insinuação no ar: -"Se não foi curado é porque não tem fé"!  Neste sentido, ouvi de muitas pessoas essa afirmação, e em alguns casos até mesmo com espanto: -"O que? Um pastor doente? Mas pastor não fica doente"! 

Ao acompanhar tantas pessoas em suas enfermidades, sentimos o quanto esse conceito de religião, de fé e vida "cristã" é pernicioso! Não desprezamos aqui a fé como um elemento de superação. Não. Há comprovação cientifica de que um enfermo que tem fé se recupera com maior rapidez do que a pessoa entregue às desilusões e fatalismo da vida. Tão pouco desprezamos ou descremos da existência de milagres! A própria vida é um milagre. O que há de pernicioso é esse uso mágico atribuído à fé, que gera expectativas imediatistas e pontuais, tirando dela a visão ampla, da vida como um todo, na perspectiva da eternidade e da antropologia bíblica. Muitos compartilham dessa visão e respeitamos. Mas não concordamos com ela, pois, como em tudo na vida, sempre existem os outros aspectos, ou seja, o aspecto material e o espiritual. E podemos falar disso com autoridade, pois a exemplo de Paulo e tantos outros cristãos, tenho minhas limitações.

Com um ano e quatro meses contrai a febre poliomielite, popularmente conhecida como "paralisia Infantil". Nos idos de 1965, na região em que morávamos, num ambiente de muita pobreza, meus pais sequer conheciam a doença. Apenas com o passar dos dias, depois de três dias de febre intensa, perceberam que eu não usava mais a mão direita para pegar as coisas. É que todo o membro superior direito foi afetado pela febre. Cresci assim e, enquanto criança, para mim, era normal. Mas, aos poucos, percebi que vez ou outra os olhares se dirigiam ao meu braço. Hoje acredito que eram mais pelo susto e curiosidade do que pelo preconceito. Isso acontece em relação aos outros e a nós mesmos. 

Por mais lamentável que seja, desenvolvemos um senso muito forte de tragédia. Só vemos o que é ruim e nos incomoda, como aquele machucadinho no dedo do pé. De repente, tudo parece ir de encontro ao machucado, quando na verdade, sem generalizar, não é assim. A noção da dor nos leva ao senso da intensidade e só sentimos quando algo bate naquele local. É que somos humanos e essa parece ser uma característica de muitos, diferente do que se vê no reino animal, tido como irracional. Já pude ver, e com muito prazer, pois me foi grande lição de vida, a experiência de um pombo, na Praça da Sé, em São Paulo, em julho 1989. Em meio a muitas aves, um pombo pulava, de um lado para o outro, com uma perninha só. Estava vivendo sua vida e lutando pela sua sobrevivência naturalmente, enquanto há poucos metros dele havia um ser humano, esmolando para viver, porque não tinha uma perna.

Pensando o passado, acredito que para os meus pais tudo o que aconteceu também foi uma tragédia. Qual o pai ou mãe que não a sentiria? Então, já com meus sete anos, passa na minha cidade um missionário milagreiro, nos idos dos anos 70. Era o Davi Miranda e seus milagres. No embalo das emoções, e mais por curiosidade de minha mãe, vi-me em meio à multidão na praça central da cidadezinha do interior, segurado por minha mãe, que estava numa duvida cruel se me levava ou não para ser curado. A contra gosto, só me lembro do "homem de Deus" orando fervorosamente e as muletas sendo jogadas ao lado. Foi minha primeira frustração religiosa, pois sai imaginando que eu, ou minha mãe, não tínhamos fé suficiente! Não aconteceu nada com meu braço. E assim fui crescendo. A adolescência também teve suas particularidades e muitas perguntas a Deus: - "Porque sou assim"? Porque isso comigo? Sem contar os colegas, com suas brincadeiras, que hoje seriam taxadas de bulling e meu pai, com sua costumeira afirmação: -"Ele é paralitico"! E isso não era por maldade. Mas, aos poucos, a dor vai se alojando em algum lugar de sua alma e você corre o risco de se retrair. Agora, ao longo de uma vida, some-se a essa dor outras condicionantes e você terá um conceito do que vem a ser uma depressão: depressão geralmente é o resultado de uma opressão. Quando você é oprimido por algo, circunstancias ou pessoas, e essas experiências não são direcionadas para outro lado da vida, essa opressão acaba causando alguma reação em seu corpo. 

DANDO A VOLTA POR CIMA - Sobre a arte de superar as adversidades.Where stories live. Discover now