Capítulo 08: DAS ESPERAS E DAS ANSIEDADES.

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DAS ESPERAS E DAS ANSIEDADE


É comprovado que nosso tempo padece do mal da ansiedade. Chegamos a um ponto em que o ritmo da vida acelerou e encontramos dificuldades em parar um pouco, para realizações de coisas simples, básicas, como conversar com alguém, esperar com calma na fila de um banco. Aprendemos a ver o mundo em flashes, editados para serem rápidos e ficamos possuídos por uma pressa estranha. Mas, bem lá no fundo, se perguntarem o porquê essa ansiedade louca, talvez tenhamos dificuldade em responder. Para onde estamos indo nessa pressa? O que queremos, de fato? Claro que são os compromissos, emprego, estudo, filhos, saúde, etc. queremos uma vida melhor, por isso lutamos, literalmente.

Estes fatos estão ai, desafiadores. No entanto, a psicologia e qualquer bom observador dirá que o problema não são os fatos. O problema é a forma como os abordamos e reagimos. Essa paz que tanto buscamos e que cura a ansiedade, como se diz frequentemente, não é uma paz sem lutas, desafios, sem guerras, ódio, maldade ou violência, mas é uma paz apesar delas, que nasce como fruto de um exercício interior. Recordo de uma pessoa que sempre dizia, nos momentos de grande stress: -"Calma! Se não tem solução, solucionado está"! Fácil? Não. Mas como diz aquele velho ditado: -"A vida só é dura pra quem é mole".

A ansiedade é um estado psicológico que precisa ser vencido, ou, no mínimo, se não conseguimos vencê-lo, ao menos precisamos aprender a conviver com este estado. É o que tenho aprendido a fazer, desde cedo, em particular e nas experiências vividas.

É praxe nos círculos de algumas igrejas que, após a formatura, o candidato ao pastorado receba um chamado, ou uma designação missionaria do departamento de missão para ir, imediatamente, para o campo de trabalho. Pouco antes da formatura da nossa turma de teologia, 1990, passamos por essa experiência. Na medida em que os colegas entravam para a sala de reunião, minha ansiedade crescia, pois fui o ultimo a ser chamado e a reunião que aconteceu no momento especial de envio ministerial foi uma experiência impar. Após um período prolongado de espera, fui convidado a entrar na sala e ouvi dos responsáveis que eu não teria ali, de imediato, uma designação. Disseram que isso não era algo ruim, ao contrario, era apenas um cuidado especial porque eles queriam me mandar para um lugar especial e aproveitar meus dons adequadamente, mas que, no entanto, este lugar especial ainda não estava pronto e eu deveria esperar. Apenas quem passa cinco anos num seminário pode imaginar a ansiedade desse momento, e sair dele sem uma definição tem lá suas consequências. Seguindo meus planos, após a formatura, eu e a esposa fizemos nossa cerimonia de casamento em Fortaleza. Havíamos decidido que, para onde quer que eu fosse, ela iria junto, pois um namoro à distancia não era o que queríamos. Além do mais, a expectativa era que a espera não seria tanta. Assim começou minha espera, sem questionamentos. Mas o que deveria sair em três meses, durou onze, para os quais não estávamos devidamente preparados. Nestes onze meses, meus pais nos acolheram, num gesto de amor tão grande quanto a sua humildade financeira. Foram onze meses de espera, e alguns momentos de enjoo no estomago, sem aparente razão física.

Duas coisas boas aconteceram neste período: a gravidez de minha esposa, que desejava ter filho logo e o atendimento provisório de uma paroquia, onde o pastor estava de licença para tratamento, por três meses. Foi assim que se desenrolou a gravidez de nossa primeira filha. O atendimento da paróquia foi uma sugestão do então conselheiro Distrital, para que pudéssemos receber alguma ajuda material da paroquia. Nestes momentos, descobrimos a grande diferença entre o profissionalismo e o amor no desenvolvimento de um trabalho, seja religioso, ou não. Esse conselheiro se colocou ao nosso lado, estendendo a mão e ajudando de todas as maneiras possíveis. Neste contexto, viu no atendimento à paroquia uma boa possibilidade.

Excetuando o enjoo de gravidez da esposa, do primeiro mês até o parto, aquele foi um período muito lindo, de convívio com a paroquia. A maior parte desse tempo passávamos nas casas dos membros. Às vezes dormíamos e tomávamos café em uma, almoçávamos noutra e jantávamos e dormíamos numa terceira. Criou-se um elo especialmente com a sede da paroquia, de forma que anos mais tarde iriamos receber deles um convite para retornar, como pastor local.

Quando estávamos no terceiro mês de atendimento, em novembro de 1991, recebemos a correspondência da área de missão: fomos comissionados para Boa Vista, RR, como missionário num segundo ministério ali. A espera acabara, mas a ansiedade com certeza deixou sua marca.

O tempo em Roraima foi abençoado. O comissionamento era de um ano, de experiência. Ficamos três. Após avaliar com a área de missão a razão da estadia e, por uma questão de objetivos, dispus-me a sair do campo e ser enviado para outro local. Mas, logo após a saída de Roraima, passamos por uma experiência muito triste e dolorosa.

Como ainda não havia local definido para irmos, ficamos aguardando na casa de meus pais a nova designação, por cerca de quatro meses. Nesse interim, recebemos uma noticia muito triste: A irmã de minha esposa, que também estudava no seminário, cursando Diaconia, sofreu um acidente, juntamente com o irmão e a cunhada, numa viagem que faziam de Goias para Fortaleza. O motorista do ônibus dormiu ao volante e ele caiu num precipício, deixando 22 mortos, incluindo os irmãos e a cunhada de minha esposa. Recebemos a noticia num domingo de manha, após o culto, e minha esposa viajou à noite para fortaleza, ficando eu e a filha de três anos. Naquela tarde, quando a esposa viajou, dei um abraço em minha mãe e comecei a chorar. Chorei muito, parece que saíram todas as lágrimas acumulas até então.

Três meses depois dessatragédia fui designado para a paroquia de Salvador e Paripe, na Bahia, para umcomissionamento de 12 meses. Salvador foi experiência única. No primeiroencontro com a igreja, a sensação era de que já estávamos ali por anos. Povoquerido, engajado no trabalho e muito animado. Foi muito difícil tomar umadecisão de sair, após cumprir o ano de comissionamento. Mas, ao final,recebemos o chamado para Barra de São Francisco-ES, onde nosso nome foraaprovado como primeira opção preencher a vaga ministerial. Quando meperguntaram, bem mais tarde, porque deixamos Salvador e viemos para Barra de SãoFrancisco, a única palavra foi que era um sonho. Dadas as circunstancias, tínhamosum sonho de desenvolver um bom trabalho ali.    

DANDO A VOLTA POR CIMA - Sobre a arte de superar as adversidades.Where stories live. Discover now