Capítulo 13 - Cinzas

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Peças e parafusos voavam pelos ares, um dos pneus rolava incontrolávelmente na pacata e estreita rua.
O gosto metálico do sangue possuía minha boca,me causando uma horrível sensação, uma aflição enorme.

Meu corpo doía por inteiro, meus braços foram praticamente colados ao chão com o grande impacto, mas ainda assim eu conseguia mexê-los.
Ao menos isso.

Olhei ao redor e consegui apenas visualizar o banco da moto se tornando cinzas devido a explosão,possivelmente causada por algum fio solto.
Havia sido uma emboscada,isso estava claro pra mim.

Há alguns metros de mim  estava Rick, desacordado, ensanguentado,mas eu ainda conseguia ouvir sua respiração.
Estávamos vivos, por um milagre ou talvez apenas sorte. Mas ainda sim, nosso coração batia, o oxigênio percorria por nossos pulmões, conseguíamos sentir o calor do fogo esquentar nossas peles.
Nossa hora não chegou.
Ainda não.

Com dificuldade me rastejei até seu corpo paralizado, toquei seu rosto e o balancei suavemente.

-Rick,você precisa acordar. -murmurei, ele parecia não escutar palavra alguma.

-Rick... - um choro melancólico e desesperado de um bebê fez meu coração parar por um segundo.

Ao ver que Rick não abriria os olhos tão cedo, o arrastei até o jardim de uma pequena casa branca e o deixei apoiado em uma cadeira de balanço.

Fitei o chão a procura de algo que eu pudesse usar como arma, mas devido ao fogo grande maioria das peças haviam derretido ou virado cinzas.

Apalpei meu bolso,o abridor de cartas estava lá.
Era afiado, e pequeno mas em uma situação de perigo seria de grande ajuda.

Eu não estava sozinha, podia sentir isso, a presença de outra pessoa aguçava meus sentidos, me deixando em alerta.

Caminhei contando os passos, até avistar um carro com as quatro rodas para cima.
Frizei os olhos no automóvel, e pude ver que haviam pessoas lá dentro.

O choro desesperado vinha de lá. Olhei ao redor, as casas aparentavam estar vazias.
Estavam escuras,silenciosas,apenas um latido ecoava no local.
Distante,estridente.

Corri em direção ao veículo, o senhor que dirigia o mesmo me olhou com os olhos paralisados.

-S-salve minha família. -com a voz falha, balbuciou o homem, esvaziando o último resquício de vida que ainda lhe restava.

No banco do passageiro, o cabelo grisalho da senhora foi tomado pelo mais vivo tom de vermelho.
Sangue.

Do lado de fora, a alguns metros do carro,uma agulha de crochê e um cone fino de linha caídos próximo a um vaso de flores.

Uma garotinha de aproximadamente 8 anos, abraçava o bebê que chorava sem pausas, possivelmente sua irmã. Ela estava presa na cadeirinha,suas perninhas ficaram enroscadas no cinto de segurança.

-Eu vou ajudá-las, se acalmem. - com cautela abri a porta do carro, pensando em uma maneira segura de tirar o bebê dali.

-O papai e mamãe estão bem? - indagou a menina, segurando a bainha de seu vestido rodado.

Não sabia o que dizer,eles estavam mortos, como eu diria isso...

-Ela é sua irmã? -apontei sorridente para o pequeno ser humano na cadeirinha, queria acalmá-la.

Ela assentiu com a cabeça, e antes que pudesse dizer qualquer coisa a garotinha ficou totalmente imóvel.
Seus lábios tremiam, seus olhos brilhavam.

-A-atrás de você. - murmurou, fazendo um frio percorrer minha espinha.

-Não olhe para lá. -rapidamente adentrei-me no carro e antes que eu pudesse pensar, retirei o abridor do bolso e cortei o cinto que prendia o bebê,assim soltando-o.

A peguei no colo, segurando a mãozinha de sua irmã e corri. O mais rápido que pude. Sem olhar pra trás, sem temer o escuro.
Apenas corri.

Fitei a casa branca cuja havia deixado Rick, mas ele não estava mais lá.
Ao ver o jardim sem a sua presença não pude conter o desespero.

Estava sendo seguida,duas  crianças orfãs dependiam da minha proteção.
Eu não poderia procurá-lo agora.

Se eu gritasse ninguém me ouviria, se eu batesse em alguma das portas não seria atendida.
O bebê chorava, os passos atrás de mim aumentavam,o vento gelado penetrava em meu casaco.
Céus, isso pode piorar?

Estava cansada, meus braços e pernas doíam.
Precisava enfrentar isso.

-Você consegue segurá-la? -indaguei entregando o bebê a sua pequena garota. -Se algo acontecer comigo,corra tá bem?

-Não me deixe sozinha. -a mesma segurou a manga do meu casaco.

-Vocês vão ficar bem. -acariciei seu rosto e virei meu corpo para o lado oposto da rua.

Lá estava ele.
Parado,com aquela maldita máscara de coelho.

-O que você quer de mim desgraçado? -proferi, caminhando com passos firmes em sua direção.

-Responda merda, por que está me seguindo? -o silêncio de sua parte fazia meu sangue ferver.

-Seu... -um perfume familiar pairou no ar. Olhei para o chão e era impossível não reconhecer aqueles tênis verdes.

Ele continuava imóvel, suas mãos não estava visíveis.

-Rick? -em um movimento rápido retirei a máscara de sua face,confirmando minha teoria.

Sua boca havia sido tampada com fita adesiva,suas mãos estavam amarradas.

Puxei a fita de sua boca,e me arrependi por isso.
Em um segundo milhares de palavras foram despejadas em meus ouvidos.

-Espere, me conte no caminho.Duas pessoinhas precisam de mim. -desamarrei suas mãos e corri,até o local onde havia deixado as crianças.

-Elas sumiram. Elas sumiram! - proclamei desesperada, causando espanto em Rick.

-Elas quem?

-Isso não importa,me ajude a encontrá-las. -o puxei pelo braço, e vasculhamos cada canto daquela rua.
Cada varanda,cada jardim.
Elas não estavam em lugar algum.

-Já tentamos ali? - o moreno apontou para o colorido parque infantil no fim da rua. -Vamos.

Sai em disparada na tentativa de chegar lá o mais rápido possível.

O balanço rangia, balançando sozinho devido ao vento forte no local.

Ao lado da gangorra, vi a garotinha acenando pra mim. Ao seu lado, uma figura alta com uma máscara pitoresca no rosto.
Era um palhaço.
O bebê estava em seu colo.

-Ele só quer brincar tia Sarah. Deixe eles brincarem com você.

-E-eu não te disse meu nome.
Saia daí! -exclamei paralizada,Rick encarava a cena com desdém.

-Eles sabem tudo sobre você tia Sarah. - o sorriso predominava no rosto da pequena garotinha, o medo era inexistente para ela.

Uma risada ecoou pelo parque, o vento a arrastou por mais lugares fazendo o ato ser ainda mais aterrorizante.

Aos poucos fomos cercados.
Palhaços saíram de todos os lugares. Moitas,casas,varandas,becos.
Eles estavam em todos os lugares,todos juntos, todos com armas em punhos,todos nos observavam.
Chernobyl Center era um lugar enorme,com muitos internos.
Aparentemente a metade deles estavam no local.

Ouvimos barulho de motor, e poucos minutos depois um caminhão de sorvete adentrou o local.
Für Elise estava tocando no volume máximo, o sangue nas portas do veículo era totalmente visível.

Quando o bebê começou a chorar, todos os internos formaram um círculo em nossa volta, eles balançavam  vagarosamente a cabeça e em coro,uma música macabra era cantada por todos:

"Durma criança, basta os olhos fechar.
Ouça a música da caixa.
A matança vai começar."



























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