Capítulo II - Nevoeiro

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O fim do outono atingia os ares de Londres, trazendo consigo a chegada do gélido inverno, que levava as pessoas a incendiarem a lenha de suas lareiras e se organizarem para as festividades natalinas.

Os planos de mudança de Mr. Abbot para Manchester foram adiados, para a felicidade de sua filha, ainda haviam negócios pendentes na capital inglesa. Victoria agradecia a Deus por tal circunstância, teria mais tempo para se despedir de seus amigos, de seus locais preferidos e também, principalmente do deleite do encantador inverno londrino. Aos poucos a dor do luto se transformara em uma saudade caritativa para sua alma, acarretando ás boas memórias sempre que possível fosse, já saberia naturalmente lidar com a situação, diferente de seu pai que ainda se encontrava mergulhado em suas lamentações particulares, o que para ela poderia ser um tanto preocupante mas fazia de tudo para respeitar o luto duradouro do homem.

Particularmente a jovem dama detestava Manchester. A fumaça industrial vinha como névoa tormentante, e os operários ao fim da tarde passavam em bandos, apressados e com olhares únicos e deprimidos. Deixou de fazer visitas frequente ao local quando a doença de sua mãe agravou e não tinha mais condições de lidar com a poluição causada pelas fábricas sem prejudicar intensamente sua saúde. Victoria deveria sempre ficar em casa para acompanhá-la, juntamente de Fizzy.

Os dias da pequena família na cidade estavam contados, os móveis da sala estavam cobertos por lençóis brancos e haviam caixotes espalhados por toda extensão da casa. Fizzy orientava as criadas na limpeza e na organização, ela que ainda não havia decidido se partiria com a família Abbot que amava do ponto mais profundo do coração ou se permaneceria e fosse rever sua família em sua pequena cidade natal ao interior do sul da Inglaterra. Apesar de estar com a idade avançada sentia muito prazer em ver a pequena Victoria crescer e ir desabrochando como uma verdadeira dama deve ser, entretanto, Manchester era deplorável ao seu ver, e achava a decisão de seu patrão totalmente estúpida.

Victoria organizava malas e caixas com seus pertences e uma expressão de aborrecimento, ah, como desejava profundamente ficar em sua amada e doce Londres! Os sócios de seu pai seriam sua única companhia, e suas famílias, os insuportáveis sócios e suas esposas extravagantes e sem classe. Lembrava de um filho de um antigo sócio, era 5 anos mais velho se ela se não se enganava. Atualmente tal garoto, cujo nome seria George Deighton. Já havia tomado o posto do pai e era um dos maiores conselheiros de Mr. Abbot. Era uma das personalidades pelas quais de fato mais trocava correspondências e um nome que naturalmente saía de sua boca frequentemente, para elogios ou críticas, porém, Ms.Abbot sempre teve uma antipatia natural de sua figura.

Cada vez que o dia amanhecia, apesar de frio e com raios solares inofensivos,pareciam pesados por anunciarem que a distância do presente e do futuro de Victoria ficaria menor. E finalmente seu pai encontrara algo para sua distração, estava fascinado com filosofia nos últimos dias em Londres, e era um alívio para todos da casa que ele tivesse encontrado um refúgio após tanto tempo. As coisas estavam estáveis, mas finalmente o dia que Victoria menos ansiava chegou, e acordou com o eco das vozes dos homens que estavam no hall de entrada levando seus pertences nos caixotes até a estação. Olhou por sua janela londrina pela última vez, sentiu uma lágrima rolar sob a sua bochecha, crianças brincavam em meio a rua enquanto outro jovem vendia jornais. Fechou a cortina de tecido fino e se preparou para descer. O pai a esperava no andar inferior, logo abaixo da escada. Tinha um olhar animado e ansioso, esperava a aprovação futura da filha em sua decisão, mas no momento sabia que nada mudaria seu pensamento orgulhoso e preconceituoso pela cidade industrial tão querida pelo velho pai. Deixava seus móveis e sua história em cada um daqueles aposentos, que pareciam tão vazios, perdendo toda sua vida. Até mesmo as flores do jardim perderam a cor

- Deixe-me dizer adeus até para esse céu neblinoso, e para essa pouca neve que daqui em instantes irá cobrir toda a área da cidade - Ms. Abbot tinha relutância em dar qualquer passo até fora de casa. Mas teria que ir. Prometeu a si mesma que iria ser uma boa dama, se comportaria e não reclamaria em nenhum instante contra os pobres nervos de seu pai durante a viagem.

Passou todo o caminho até a Estação Ferroviária Paddington sem falar uma palavra sequer, e quando chegaram no espaço, o barulho e a poeira a incomodaram, de fato, entretanto, deveria ficar calada para não entristecer o seu pai. Em um instante, o trem levou Victoria, Mr. Abbot e Fizzy para longe da aclamada Londres, e apenas a visão nítida do Big Ben se tornou turva, e logo após desapareceu, sem nenhum rastro da cidade no campo de visão, não havia mais volta para Victoria. O sol matutino de inverno iluminava as janelas e refletia nos olhos da jovem dama, mas logo os fechou, e deixou com que apenas a leve claridade se sobrepusesse neles. Ficou adormecida durante grande parte do percurso.

A viagem de Londres até Manchester era relativamente curta e não necessitava de pernoitadas em cidades menores, o que era um alivio para todos ali presentes, o coração de Victoria ao acordar se encheu de mágoas ao olhar pela janela e já poder ver a cidade esfumaçada como um desenho de criança. Lágrimas involuntárias molharam suas pestanas e tomou a mão de seu pai. Em cerca de 15 minutos o barulho do trem estacionando e o apito ensurdecedor foi suficiente para perceber que precisava se preparar para o que viria pela frente. A velha Fizzy estava tão nervosa quanto a jovem madame, mas dava seu máximo para demonstrar suporte á condição da garota, que era o mais grata possível. A diferença de ares era perceptível. Foi recebida pela névoa poluente descrita anteriormente, e com uma tosse iniciou sua nova vida.

- Ah, Fizzy, teremos uma longa jornada, querida.

Uma carruagem os levou até a velha propriedade dos Abbot em Manchester. Era totalmente afetada pela fumaça da fábrica metalúrgica High Hills, que pertencia ao Mr. Abbot. Victoria detestava aquela casa, era muito próxima da indústria, muito próxima da nascente da poluição, e ainda era em Manchester, o que piorava a situação. Assim que entraram na casa a mente da dama resgatou lembranças de sua infância e visitas ao local, não eram as melhores lembranças por outro lado nem as piores, mas eram memórias apáticas. Tudo era muito penumbroso, como seu vestido de linho negro, deixou o chapéu no suporte do hall de entrada, mas logo se espantou com a imagem de um homem alto e robusto aparecer em sua frente, ao analisar seus traços com precisão concluiu que se tratava, efetivamente, de Mr. Deighton. Era de fato um homem com deverás boa aparência, com sobrancelhas quase grosseiras e olhar azul e profundo, lábios finos apesar de tudo e cabelos castanho escuro quase negros que se destacavam na pele de tom pálido, o nariz poderia ser um pouco avantajado, mas ainda estava em um tamanho médio.

- Ms. Abbot, é uma honra imensa revê-la, seja bem vinda em Manchester, e bem, sinto muito por sua perda recente, minhas mais sinceras condolências.- O jovem dez uma reverência rápida e singular apenas com a cabeça que foi retribuída. As ultimas palavras da frase soaram como um padrão, e as repetiu em sua mente mesmo que não desejasse

- É uma honra revê-lo da mesma forma, Mr. Deighton. Obrigada, meu pai está logo no andar superior, se desejar falar com ele - Deu o sorriso mais simpático que pôde nos seus limites de cordialidade. Ele sabia melhor que ninguém de sua antipatia, pois já foi explícita das piores formas

- Ah! Claro, foi um prazer vê-la. - Saiu da sala subindo as escadas dando espaço para Victoria ajudar Fizzy com a organização. A viagem havia sido cansativa mas o mínimo poderiam fazer. Após aquilo apenas foi até o quarto que lhe foi designado logo na infância e não estava realmente empoeirado, ainda era possível deitar sob a cama, e o fez pois seu cansaço era insuportável. Acabou por adormecer novamente, ainda que, com vestes tão desconfortáveis.

Victoria | Completo Where stories live. Discover now