dezassete.

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Não falei com ninguém sobre o que escutei na semana retrasada  no dormitório de Keanu. Escolhi prometer a ele que não faria nada. Antes tinha total certeza de que era o melhor a se fazer, mas depois de o ver chorar e implorar pelo contrário perdi todas as forças que julgava ter. Ele era a única pessoa no mundo que sempre esteve comigo e o mandar para cadeia seria doloroso.

Não consigo imaginar o meu mundo sem ele, mas não consigo dormir e não me achar egoísta. Egoísta por saber de algo que pode mudar a vida de vários pais preocupados com as suas filhas. Egoísta por estar a colocar o medo de ficar sem a pessoa que amo em primeiro lugar — outra vez.

Doeu muito quando o meu pai abandonou-me naquela igreja. Ser denegada pela pessoa que você mais ama no mundo é um sentimento avassalador. Uma sensação que queima e esmaga o seu coração. Uma emoção que não desejo para ninguém e fez com que, em algum momento da minha vida, eu pensasse em colocar as mãos no meu pescoço e apertar ele com força até o ar se tornar escasso.

A verdade, era que eu não queria ficar sozinha e desorientada de novo. Não iria suportar.

Naquela tarde de sexta-feira, eu estava sentada na secretária de Haydee enquanto terminava de ajustar o nosso trabalho de física. O trabalho era em dupla e era um experimento chamado submarino na garrafa. Não foi uma experiência fácil e precisou de toda nossa dedicação e tempo.

Olhei para a garota de cabelos castanhos ao meu lado enquanto a mesma tinha a sua atenção voltada para o ecrã do seu computador. Ela estava a escrever tudo que iríamos falar. Algumas coisas sobre como funcionava.

Soltei um suspiro baixo e voltei a encarar o nosso trabalho em silêncio, a ser engolida novamente pelos meus próprios pensamentos.

— Se não tivermos nota máxima nessa porcaria mato aquele professor Johnson — murmurou com o olhar preso no computador a sua frente.

Não a respondi. Continuei na mesma posição. Sem vontade nenhuma de reagir.

— Odeio trabalhos teóricos — reclamou, mas quando percebeu que eu não estava a insurgir as suas reclamações parou de digitar. — Quer saber? Cansei.

Fiquei com vontade de perguntar do que ela estava a falar, mas a vontade desapareceu no segundo a seguir.

— Você está nesse estado a semanas Falyn — redarguiu. — Tentei te dar espaço para você se sentir a vontade e me contar, mas já não aguento mais esse silêncio.

Evitei encarar o seu rosto porque se o fizesse tenho a sensação de que choraria e eu não queria chorar.

— Não fique com medo. Pode confiar em mim.

Eu sabia que podia confiar nela, mas tinha medo de ser julgada e em voz alta porque sabia que não tinha razão. Sabia que a minha atitude estava a ser egocêntrica.

— Não é nada — suspirei.

Ela rolou os olhos.

— Não minta para mim. Só quero ajudar — segurou na minha mão. — Sempre que eu tinha problemas você era a única que me ouvia e nunca me julgou. Você sempre arranjava uma solução para os meus problemas e agora é minha vez. Deixe-me ser o seu porto seguro hoje. Prometo que você não irá se arrepender.

Como eu queria a contar. Como eu queria cuspir tudo de uma só  vez, mas os problemas de Haydee eram sempre sobre a ausência de seus pais e não com um melhor amigo sequestrador.

— Sei que está do meu lado, mas… — me levantei. — Não se preocupe comigo.

Andei até a sua cama e levei a minha mochila. Mais cedo ela havia ido comigo até a escola de Anabel para a deixarmos no orfanato e em seguida fomos até a sua casa para terminar o trabalho porque não era muito longe do orfanato, mas não podia me dar ao luxo de ficar muito tempo ali. Não poderia chegar muito tarde  porque se não as duas víboras — Louise e Sra. Rebeca — não me deixariam em paz.

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