22. Alex

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Eu não era bisbilhoteiro, como uma vez me chamou minha avó por me pegar… bem, bisbilhotando.

 As pessoas acham que estou mentindo quando digo que ouço as coisas por acidente; não propositalmente como Fred e Jorge com as Orelhas Extensíveis em A Ordem da Fênix.

 Estava só indo pegar uma toalha para secar o suor quando as vozes de Zoe e Kat flutuavam até mim.

 O moço das toalhas ficou demorando, me fazendo, sem intenção, escutar por acaso tudo que Zoe não tinha me contado.

 - Mas com certeza seria bom ganhar essa. Como eu disse, eu poderia usar uma vitória - a ouvi dizer, concluindo. E, bem, como poderia negar isso a ela? Não era nada demais, certo?

 Bem nessa hora Kat se virou e tenho certeza que me viu, pois piscou um olho pra mim e disse para minha melhor amiga:

 - Engraçado como às vezes tudo que você precisa fazer é desejar.

 Voltei ao jogo sabendo que, de repente, eu seria o pior jogador de tênis de Portland.

 - Está cego?! - vociferou minha namorada mais de uma vez. Fui esperto o suficiente para não responder. Existem coisas mais importantes que ganhar, eu queria gritar de volta. Mas apenas errei o próximo saque.

 - Yeeees - comemorou Kat e bateu na mão de Zoe.

 A cada coisa errada eu murmurava um oops que ninguém além de mim (e talvez Kat) sabia ser irônico. Zoe e eu ríamos discretamente a cada bronca que eu levava. Candice gritava como aquelas instrutoras de academia.

 Não era tudo fingimento, pra falar a verdade. Estava distraído ao perceber que tinha deixado de ser a primeira pessoa a quem Zoe recorria. Mas seria egoísmo fica chateado por isso; não era sobre mim. Ela precisava de um amigo. O fim de semana na casa da Chloe e da Maggie viria a calhar.

 - Tira os olhos da bunda! - ordenou Candy posicionada para receber a bola. A raquete preparada, mas Kat jogava em mim sempre que podia. E eu fugia da pequena bola verde-limão peluda.

 - Chega - disse Candice. - Empate será.

 - Vamos nos trocar no vestiário - avisou Kat. A despedida  de Candice não foi nada animada, embora ela não estivesse triste com a partida da dupla rival.

 Poderia ter acabado por aí, mas não era assim que deveria acontecer (se é que acredita que importa o bastante para o Universo se dar ao trabalho de interferir).

 - O que foi isso? - indagou ela nada calma. O tema da série Smallville podia ser ouvida ao longe. Somebody save me. Achei bastante apropriado.

 - Ai, minhas juntas - desconversei. - Vamos embora - sugeri, me espreguiçando, então minha voz saiu estrangulada.

 - Não! - decidiu, segurando meu braço para chamar a atenção. - Por que deixou sua amiguinha ganhar?

 - É só um jogo - argumentei, sem paciência. Talvez eu não tivesse o direito, mas foi assim que as palavras saíram da minha boca. Boba, uma coisa boba.

 - Não ouse me tratar como uma criança que foi queimada na aula de educação física - disse ela entre dentes.

 - Para de agir como uma - disparei de volta, elevando a voz. - Minha “amiguinha” - usei aspas exageradamente com sarcasmo - estava precisando dessa vitória depois das merdas que ela passou. Mas você nunca se incomodou em perguntar.

 Candice chegou mais perto, cutucando o próprio peito com o indicador. As unhas longas estavam pintadas de esmalte cintilante.

 - E quanto a mim? Huh? Quando é que você se incomoda em me perguntar essas coisas? - Os olhos dela brilharam com raiva, lágrimas que se recusavam a cair. - Defina suas prioridades, droga!

 - Sempre um ultimato - falei em tom afiado.

 - Pro inferno, Alex! - gritou ela, gesticulando loucamente.

 - Finalmente cansada do projeto. - Me arrependi assim que falei, mas agora estava fora do meu controle, como a comida depois você engole.

 A verdade é que parecia que eu era como um lanche que ela pediu, mas antes de comer tirou os picles e adicionou umas azeitonas. Para que pedir aquele lanche se não é assim que você gosta?

 Um projeto. Era isso que havia me passado pela cabeça quando ela se interessou por mim e aí me pediu pra não usar minhas camisetas de heróis. Infantil. Era o que os outros pensavam ou o que ela pensava?

 Mas não havia eu pedido a ela que abrisse mão de encontros a dois para levar minha melhor amiga também? Ou que pedia que entendesse que precisava estudar, então se queria ir a festa, podia ir com os amigos?

 - Não seja injusto - disse ela, dando um passo pra trás.

 Fiquei calado. Qualquer chance de concertar expirou, como carne fora da geladeira.

- Achei que você fosse diferente - confessou com a voz baixa.

 - E porque colocou essa expectativa em mim? Porque eu era o nerd introvertido? Só podia ser um sapo esperando o beijo que o transformaria em príncipe? -  Que era sorte a minha ela ter me notado?, quase acrescentei.

 - Eu não sei, Alex. Parecia melhor que os babacas adolescentes viciados em rapidinhas. Colecionadores de garotas nuas sem rostos e nomes. - Ela olhou pra baixo. - Mas você não é um desses. Você é outra coisa. É o cara que quer ter tudo.

 - Por que isso é errado? - perguntei cansado.

 Ela limpou a única lágrima rebelde o bastante para rolar.

 - Você nunca teve coragem o suficiente pra fazer escolhas. Para sacrificar e ceder. - Uma pausa. - Eu tenho. - Candice esmagou a grama sob seus pés com os sapatos. Depois olhou pra mim. Tudo isso em uma fração de segundos. - Desse momento em diante não somos mais nada.

 Olhei pra ela com a respiração pesada, o corpo dolorido por motivos além do exercício físico. Talvez a dor nem fosse inteiramente física.

 Depois olhei para cima. O sol se punha no horizonte. O céu estava bonito, como se para nos lembrar que as coisas acontecem, acabam, e tudo ao redor permanece o mesmo, inabalado, antigo e infinito.

 Uma lembrança lampejou em minha memória. “Gosto das nuvens de algodão no céu. Não sei porque minha mãe diz que o céu está bonito quando não tem nada além do azul. Ela não vê o que eu vejo”, disse a voz de Zoe aos 13 anos em minha cabeça. “Xeque.”

 Uma vibração me trouxe de volta à realidade. Mensagem do meu pai. 17h43, marcava o relógio no visor, entre as rachaduras da tela quebrada.

 Candice fez menção de ir embora, mas antes, se virou de volta para me encarar, resignada. Olhei para ela de volta.

 - Não sei se isso é autossabotagem ou outra coisa - disse ela. - Se é por vingança - ponderou, hesitante, e continuou: - Você sabe que a Zoe está apaixonada por você, não sabe?

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