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Camila digitou o número no teclado do celular e questionou se seria mesmo uma boa ideia ligar para Lauren. Nos primeiros dias ela tinha conseguido ser forte e manter a distância, mas a noite anterior havia sido difícil. Ela acordou às três de um sonho tão vivo que oito horas depois ainda se lembrava.

Ela estava com Lauren num lindo vale. Um rio caudaloso fluía a seu lado, fornecendo a água necessária para manter os quilômetros de grama verdejante que se estendiam pelas margens. O sol estava forte, e o ar, úmido e quente. Lauren estava vestida com uma camiseta, calças de linho e sandálias de couro, com os cabelos batendo nos ombros. Sua cabeça estava jogada para trás, os olhos fechados e a boca sensual comprimida de frustração ou desânimo. Havia uma lâmina em sua mão, uma arma grande e rústica que parecia uma espada medieval como a Excalibur do rei Arthur. Ela a empunhava com habilidade, distraída, aparentemente familiarizada com o peso e a extensão da arma. Era ao mesmo tempo imponente e feroz. E linda de morrer.

Enquanto o vento acariciava seus cabelos, ela a olhava com o sofrimento estampado nos olhos. Era um olhar penetrante, como se ela a tivesse perfurado com a arma que empunhava com uma inquietação mais do que óbvia.

Ani ohev otach, tzel - ela disse para Camila no sonho. - Eu amo você, sombra. Mas não posso tê-la para mim. Você sabe disso. Por que fica me tentando? Por que fica exibindo o que eu tanto desejo mas sou proibida de ter?

A tristeza que ela sentiu diante do sofrimento dela a fez prender a respiração e provocou uma dor tão intensa em seu peito que a despertou de um sono pesado. Ela sentiu o rosto e o travesseiro banhados de lágrimas quando acordou, além da tristeza e da compaixão que provocavam um nó em seu estômago. Ela havia falado como se a fonte de sua agonia fosse Camila, ainda que não tivesse ideia do que fizera para provocar aquele olhar em seu rosto. Ela preferia morrer a magoá-la daquela maneira.

Passar o restante da noite sozinha em sua suíte no Belladonna foi uma experiência quase tão melancólica quanto sua conversa com Lauren ao telefone quatro dias antes. A vontade de ligar para ela estava se tornando quase irresistível. Ela estava preocupadíssima, e morrendo de saudade.

Respirou fundo, lutando contra uma onda de desejo e de sentimentos de possessividade que não se considerava no direito de ter. Ela havia passado a vida inteira tentando se adaptar à rotina entre as pessoas “normais”, e no fim não demorou mais de dois dias para se sentir em casa num lugar que de normal não tinha nada. Ficar sozinha depois de ter encontrado seu espaço no mundo não era nada fácil. E imaginar se Lauren se sentia igualmente perdida e sem chão só tornava as coisas ainda mais difíceis.

Camila apertou a tecla de chamada no celular e o levou à orelha.

Ela atendeu quase no mesmo instante.

- Camila... está tudo bem?

O nó no estômago dela se desfez ao som de sua voz afetuosa e confiante.

- Eu liguei para fazer essa mesma pergunta para você.

- Que pergunta...? - A voz dela fraquejou. - Eu...

- Lauren? Você está bem?

- Desculpa. É que eu não estou acostumada a responder esse tipo de pergunta. Os últimos dias foram bem difíceis, mas logo as coisas vão melhorar. - O coração de Camila se apertou dentro do peito. Ela era tão tranquila e controlada, tão comedida, com uma capacidade de comando tão grande sobre si mesma e os demais... ela tentou imaginar como seria ter a obrigação de estar sempre certa. Com quem ela podia contar para aliviar o fardo que carregava? Depois da morte de Nathaniel, será que ela ainda tinha alguém para isso? - Alguém de quem eu gosto está sofrendo, e eu ainda vou ter que agravar a dor que ela sente antes que tudo chegue ao fim.

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⏰ Last updated: Sep 11, 2020 ⏰

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