Capítulo 4

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Aquilo caiu como um meteoro no meu coração, o seu eu de ontem não queria me esquecer. Respirei fundo tentando controlar meus batimentos e não criar nenhuma expectativa ou esperança, não queria sair frustrado de novo. Ficamos parados por instante na porta, até que voltei a mim e a convidei para entrar.

- Bem, eu li que você me convidou para um chá. - continuou ela ao entrar e passar por mim, senti que ela tinha algo nas mãos - Não sei se tomamos esse chá ontem, mas trouxe uma torta que fiz agora pela manhã, assim poderemos tomar aquele chá novamente.
- Chá?!

Minha mente estava um pouco paralisada com aquilo, ela estava agindo como se eu fosse normal, agindo como antes de saber sobre minha cegueira, o que me deixava ainda mais confuso e desnorteado. Fechei a porta, tentei me concentrar um pouco e pensar no que iria fazer, a deixei na sala e fui até o quarto, fiquei alguns segundos respirando fundo e tomando coragem para voltar para sala.

Coloquei meu óculos, troquei de roupa rapidamente e voltei, tentei me acalmar um pouco, tinha que me concentrar para saber onde ela estava, mas assim que cheguei na sala, ouvi um barulho vindo da cozinha. O que será que ela estava aprontando?

- Charlotte ?! - disse dando alguns passos na direção do barulho - O que está aprontando na minha cozinha?
- Bem... - ela parecia prender o riso - Me desculpa invadir sua casa assim, mas estava procurando uma faca para cortar os pedaços, aí acabei encontrando a chaleira.
- A chaleira?! - só de falar daquele objeto eu já me lembrava do dia anterior.
- Sim, então tomei a liberdade e colocar água para esquentar. - ela caminhou até mim e ficou parada ao meu lado - Mas ainda preciso encontrar a faca.
- Pode deixar que eu assumo daqui. - eu ri um pouco indo em direção a bancada da pia, abri a segunda gaveta onde ficava as facas e estiquei a mão para ela.
- Agora sim. - ela riu - Obrigada pela faca.
- Só tenha cuidado, não quero que se machuque.
- Não se preocupe, não está muito afiada. - retrucou ela, ouvi o barulho de alguma coisa sendo arrastada.

Cruzei os braços mantendo minha face na direção do barulho e fiquei em silêncio, ela começou a cantarolar alguma coisa que eu não entendia bem, segurei o riso várias vezes. Assim que terminou ela me pediu dois pratos, peguei para ela sem a menor dificuldade e terminei de preparar o chá, eu ainda não conseguia acreditar que estava mesmo acontecendo isso.

- E o que está achando do meu chá? - perguntei ao tomar um gole.
- Nem forte, nem fraco, está na medida. - respondeu ela se sentado na banqueta ao meu lado - E você? O que achou da minha torta?
- Maravilhosa, nem sem doce e nem com exagero, está na medida certa. - eu sorri espontaneamente, meio bobo.
- Que bom, eu mesma inventei depois do meu acidente, faço ela todos os dias para não me esquecer. - disse ela - Mas essa foi a primeira vez que fiz sem olhar a receita.
- Uau, que progresso. - elogiei subjetivamente.
- Acho que foi por sua causa. - explicou ela tranquilamente.
- Minha causa? - desviei minha face para a direção da sua voz - Porque seria por minha causa?
- Não sei, eu estava animada de mais para te agradecer, só agora reparei que não li a receita.
- Agora estou mesmo surpreso, estou comendo uma unidade única da sua torta. - brinquei um pouco a fazendo rir e rindo junto.
- Bem, acho que sim. - ela suspirou um pouco, comecei a pensar se ela estava me olhando.

Eu desviei minha face para frente, complicado não imaginar coisas negativas, principalmente quando o silêncio tomava conta, a maioria eram perguntas simples e idiotas para muitos, mas que representava aqueles detalhes, que salvava meu dia. Tentar imaginar como ela me olhava, a cor dos seus olhos, como era seu sorriso, se ela tinha alguma mania como mexer no cabelo ou coçar a nuca quando estava com vergonha.

- O que foi? - perguntou ela - Ficou calado de repente.
- Nada, só me perdi nos meus pensamentos. - disfarcei minha voz melancólica e comi outro pedaço da torta.
- Se eu estiver atrapalhando, posso ir se quiser. - disse ela.
- Não. - peguei automaticamente em sua mão, nem imaginava que conseguiria ser tão preciso assim - Não vai.
- Tudo bem. - assentiu ela mantendo sua voz serena - Eu não queria mesmo ir.
- Fico aliviado em ouvir isso. - disse respirando fundo.
- Você parece estar meio tenso. - comentou ela - Tem algo te incomodando?
- Não, é que não estou acostumado em ter companhias. - direto e sincero - Isso me deixa meio desnorteado.
- Mas, você vive aqui sozinho? - perguntou ela confusa.
- Ah, não. - eu ri de nervoso - Eu moro com meu primo e a namorada, noiva dele.
- Hum, seu primo. - ela suspirou um pouco, parecia tentar lembrar de algo - Ele é cliente da cafeteria?
- Sim, certamente ele passou lá antes de ir para o trabalho. - assenti.
- E você trabalha com o que? - perguntou ela.
- Hum. - comecei a cogitar a ideia de mentir para ela, mas não seria um bom jeito de iniciar nossa quem sabe futura amizade - No momento não há nada que eu queira fazer da minha vida.
- Nada?! - sua voz de surpresa ecoou - Nossa, que estranho, é a primeira pessoa que me diz isso de forma tão frustrada.
- Me desculpa se te choquei, mas é a realidade. - respondi respirando fundo.
- Não há nada que te chame a atenção e te faça querer investir seu tempo?
- Não. - agora sim senti aquela frustração na voz - Porque não paramos de falar sobre mim, e falamos de você?
- O que quer saber sobre mim? - ela perguntou curiosa - O mais importante você já sabe, corro o risco de te esquecer amanhã.
- Não corre não. - retruquei tranquilamente - Você já disse que não quer me esquecer, tenho certeza que vai escrever sobre mim.
- Ah, eu não deveria ter contado sobre isso. - ela riu de leve - Você gosta de chuva?
- Nossa, que pergunta mais aleatória. - eu ri desviando minha face para sua direção - De onde veio essa curiosidade?
- Darya me contou que choveu no dia que você me salvou, eu ouvi o barulho da chuva nessa madrugada, fiquei curiosa em saber se gosta de chuva.
- Uau, que explicação mais detalhada. - sorri para ela, eu gostava disso, detalhes.
- Desculpe se expliquei de mais.
- Não. - senti meu coração pulsar mais forte - Eu adoro quando as pessoas detalhas seus pensamentos para mim.
- Você é um psicólogo? - perguntou ela num tom confuso.
- Não. - eu ri - Não, só gosto que as pessoas se expressam sem esconder nada de mim.
- Hum. - ela ficou um tempo em silêncio, senti que estava balançando a perna - Você não me respondeu.
- Não, mas sim.
- O que? - ela riu - Não entendi.
- Não gosto de chuva, mas sempre que chove eu me sinto bem e renovado.
- Hum. - ela pareceu gostar - Eu gosto de chuva, mas gosto mais da neve no inverno, guerras de bolas de neve, me faz lembrar da infância.
- Estou sentindo pela empolgação na sua voz. - eu ri um pouco - Também gosto do inverno, é um período de calmaria e ao mesmo tempo celebração.

Eu Preciso De VocêOù les histoires vivent. Découvrez maintenant