Defeito

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Hoje devo tomar uma dose dupla de supressores, já que no dia anterior acabei dormindo sem. Esperando o horário de sair de casa, lendo um livro em silêncio, não consigo imergir no assunto, por mais que fosse interessante.

Me levanto devagar, ao ouvir barulhos miúdos no apartamento ao lado, encarando a parede. Pisco, balançando a cabeça e me encaminhando para a porta. Não sabia de onde vinham essas ideias, mas elas devem parar, porque não têm sentido algum.

_Há falta de água. Lembre-se de tomar banho nas cabines até que o racionamento cesse.

_Obrigado, Siria. _Falo antes de sair do apartamento. Jimin está a alguns passos de mim, e minha mente distraída do fato de que preciso ir ao trabalho, se concentra um pouco em seu jeito de caminhar.

Ele parece sempre impecável, e existe segurança até mesmo num detalhe como esse. Raramente vamos exatamente no mesmo horário, ele costuma ir minutos mais cedo. Mas hoje eu decidi ir minutos mais cedo também. Sua expressão continua monótona ao me ver.

_Bom dia. _falo ao entrar no elevador com ele. Somos os únicos na cabine.

_Bom dia. _Ele responde em tom baixo, esperando que eu entre para fechar a porta. Eu estava logo atrás dele, á centímetros de distância. Encaro sua nuca por alguns instantes, e pela forma como o uniforme está vestido, é possível ver um sinal em sua pele. Uma pinta. Os cabelos crescem relativamente curtos, aumentando de volume e tamanho, até a partição impecável ao meio. Suas orelhas estão com uma coloração levemente rosada.

Ele coloca as mãos para trás do corpo, unindo-as, e minha atenção se volta para elas. Mas antes que eu pudesse analisar, a porta se abre. É hora de caminhar até o trabalho.

Saio da cabine assim como ele, passando pela saída do prédio. Há um caminho até o trabalho, e ele segue na minha frente. Olho ao redor, notando que além de mim e dele, há poucos indivíduos, indo em outras direções.

Chego ao prédio passando minha identificação, e sigo o caminho. Há mais um elevador até o andar onde fico. Entro novamente com Jimin, mas dessa vez há mais indivíduos junto. Ele entra primeiro, eu depois, e com a entrada dos demais, acabo ficando no fundo com ele. Olho devagar para o lado, ele tem o olhar para frente, o nariz levemente empinado, como se visse um horizonte.

Seu rosto me lembra as esculturas que os ancestrais costumavam fazer.

As proporções não têm falha.

Saio do elevador, seguindo o caminho para a sala. Enquanto ele trabalha na tela, consigo ver suas mãos. Não parecem muito grandes, os dedos não são longos e finos. Mas a forma como ele segura o cursor do pincel é diferente da minha.

E fazendo meu próprio trabalho, olhando vez ou outra para o lado percebo o óbvio. Observar é interessante. Observar Jimin é muito interessante.

_Há previsão de tremores para os próximos dias, atenção aos comandos para manutenção da segurança. _A voz do Olho no autofalante alerta. Eu nem sempre lido bem com os tremores, mas os supressores e as aulas coletivas me auxiliam, então desde que siga corretamente as instruções não tenho grandes problemas. Aperto a barra de ferro, voltando a me concentrar apesar do comunicado.

O fundo escuro está pronto.

Comendo a barra, olho para cima, vendo o céu cinzento. Tudo parece cinzento aqui, exceto pelo que pintamos nas telas, a grama e as árvores padrão, de médio porte, espalhadas por todo o território.

E o muro branco, imenso, cerca tudo. Não há muito o que ver.

Olho para frente. As mesas e cadeiras são individuais, e Jimin está á uma certa distância, mas ainda assim consigo vê-lo. Seu rosto tem cores.

NÓS | Jikook [CONCLUÍDA] (BETANDO)Where stories live. Discover now