Capítulo 04 Cabelos de fogo e coração de gelo.

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Corri pelos corredores aos prantos, buscando um colo, alguém para me ajudar, uma válvula de escape, uma droga, um veneno rápido. Sentia-me sufocada, entalada em mim mesma, não conseguia respirar... Então gritei.

E acordei.

Recobrei a consciência quando a senhora Mathilda entrou correndo no quarto e tentou me acalmar.

Estava frio, havia se passado quase um ano da morte do meu pai e do desaparecimento da minha mãe. Eu estava hospedada em uma pequena pensão, por caridade, sem dinheiro algum, escondendo meu rosto de qualquer pessoa que passasse. Ainda era caçada pela rebelião que meu pai traiu em favor do país e, via de consequência, não podia mais trabalhar. Tive que empobrecer, já que meu rosto era bastante conhecido, e me mudar para uma província paupérrima, a Ilha do Sol.

A senhora Mathilda era a dona da pensão, uma mulher corpulenta e robusta, com traços fortes e expressão masculina. Tinha a voz rouca e grossa e usava vestidos floridos de algodão.

Era bem brega, para dizer a verdade, mas um amor de pessoa, uma verdadeira segunda mãe.

–  Perdão, senhora Mathilda, não queria assustá-la. – eu disse com a voz fraca, ofegante e ainda rouca de quem, de fato, acabou de acordar com um susto.

–  Faz meses que você vem tendo pesadelos, minha querida. – ela falou preocupada. – Precisa parar de pensar nessas coisas e sorrir mais. Venha, vou lhe fazer um café bem forte, depois você vai até a cidade comprar repolhos para o ensopado de galinha que estou fazendo.

Realmente, a comida da senhora Mathilda cheirava muito bem, não havia me dado conta até o momento em que ela mencionou o ensopado. Minha boca se encheu d'água. Ela sabia vagamente o que havia acontecido comigo, porque eu havia fugido e como eu fora parar ali. Precisei contar algumas coisas para que ela me desse abrigo, e digamos que funcionou muito bem, acho que ela teve pena de mim.

Como a rebelião vinha das províncias mais baixas, dificilmente haveria confrontos que envolvessem o povo, exceto, é claro, quando os guardas reais faziam ronda por estas terras, o que também não era muito comum, diferentemente da Ilha do Céu, província onde eu nasci, em que isso ocorria quase todos os dias. Assim, eu podia fazer a feira livremente sem ser reconhecida por ninguém, já que as pessoas se preocupavam em produzir, trabalhar e se alimentar em vez de se divertir com programas televisivos. Fazer compras para a senhora Mathilda me distraia e, por alguns segundos, fazia eu me esquecer de quem eu realmente era ou onde eu estava e me fazia não sentir falta daqueles que partiram. Realmente parecia que eu tinha uma vida normal de novo.

Levantei da cama depois de receber um largo sorriso da senhora Mathilda antes que ela saísse. Tomei um banho e vesti uma roupa simples, calça jeans, camiseta e chinelos. Por fim, amarrei os cabelos em um coque baixo desajustado.

Desci as escadas rumo à cozinha da pensão. Era pequena e humilde, mas muito limpa. O sol e o vento frio batiam na janela com força, as cortinas pareciam voar como em uma canção de inverno, o fogão exalava um calor reconfortante. Peguei meu café para viagem, um moletom e saí pelos fundos.

Caminhei pela rua em direção ao centro, saltei na traseira do bonde que passava, agarrando-me nas laterais para não pagar a passagem e, enfim, desci no meio da feira.

Com o capuz do moletom tampando parte do meu rosto, iniciei minha missão, batata daqui, repolho de lá e fui enchendo a sacola para a senhora Mathilda.


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Laura Sophia Heyes (Degustação)Where stories live. Discover now