Capítulo 1

97 17 3
                                    

"Precisamos voar por nós mesmos
Antes que alguém nos diga como"

Prey, The Neighbourhood

Uma luz forte se acendeu em meu rosto. Eu estava no palco com as outras participantes, mas não me senti mais tão a vontade. Todo aquele conto de fadas tinha se tornado um saco pra mim. Era mais um concurso de beleza idiota.

Eu já vi de tudo nos bastidores. Brigas freqüentes aconteciam por conta de rixa entre as meninas mesmo. Algumas ficavam por horas e horas sem comer, quando comiam, vomitavam para retirar toda a “gordura” de seu organismo. Outras só estavam ali porque realmente precisavam da grana e chegavam a se prostituir para conseguir um sustento. Muitas trapaceavam para conseguir o prêmio, mas isso não dava tão certo. Aquilo acabava enchendo mais ainda meu saco.

Eu estava um pouco cansada e indisposta, também não havia comido fazia um bom tempo. Suspirei e pedi a forças superiores  para que conseguisse passar por isso numa boa. Se eu desmaiasse ou algo do tipo, seria desclassificada e minha mãe teria um troço. Perder já não fazia parte do vocabulário dela, ainda mais porque a filha dela simplesmente passou mal. Para Yovannah isso era uma vergonha sem precedentes. 

Então eu tomei um pouco de água e fiz exercícios de respiração para controlar meu corpo. Na maioria das vezes, isso adiantava. No fundo, eu torcia para que alguma daquelas meninas pobres ganhasse o prêmio. Eu não era a mais bonita e nem precisava daquilo, a mamãe recebia uma boa grana com a morte do papai. O único problema dela era a ganância, ela não se importava com limites quando o assunto era ganhar. E esfregar meus títulos na cara das amigas era essencial, né mores. 

Faço parte desses concursos de beleza desde os 9 anos e já ganhei  7 deles. Parte pelo meu esforço, parte pela lábia da mamãe com os organizadores ou jurados. Agora tenho 20 anos e estou totalmente acostumada com o mundo do glamour e da beleza. Mas, algo não me satisfaz quando me olho no espelho. Meio que não me sinto eu.Aquele salto machucava meus pés e aqueles cílios postiços quase não me deixavam abrir os olhos. Uma roupa apertada demais marcando curvas que eu nem tinha e um sorriso de plástico. Aquele corpo nem parecia ser meu. 

Estava com um sorriso falso em meu rosto parada no palco, olhando para todos aqueles jurados com cara de tacho e imaginando o que aconteceria se eu tacasse aquele salto que tanto me incomodava, na cara de um deles. Será que eu seria presa? Fui interrompida por meus pensamentos agressivos ao escutar uma voz chamando meu nome. Era o apresentador do concurso. Uau, mais um prêmio por ser bonita…

— Charlotte Abels! Primeiro lugar!

Eu sorri prendendo as lágrimas em meus olhos fingindo estar super emocionada. Já tinha uma técnica pra isso, pois soltar as “lágrimas”  em público era feio e borrava toda a produção,, minha mãe sempre me repreendia por fazer isso. Então eu peguei mais uma faixa, mais uma coroa, mais um bouquet e agradeci. Acenei como uma miss faz e ao final de tudo, fomos para a festa que tinha celebrando a premiação.

Chegando lá, minha mãe não parava de falar com as amigas de alta classe sobre todos os prêmios que eu ganhava por ser linda e tudo isso. Eu estava um pouco frustrada e chateada, me sentia enjoada e todas aquelas luzes me cegavam. Eu não entendia o porquê. 

Depois que mamãe terminou de se exibir para todos os seus amigos, finalmente voltamos para nossa casa. Eu sentia falta daquele cheiro e sentia falta de Bloom, nossa pequena yorkshire que antigamente corria aos meus pés e dava seus latidos bem fininhos. Ela era a única coisa que conseguia me deixar disposta e feliz. Porém ela havia adoecido e faleceu há poucos dias. Eu precisava fingir que estava tudo bem. 

Fui para meu quarto e tomei um banho. Me sentia estranha ainda e suspirei. Ao deitar em minha cama, me cobri e consegui deixar as lágrimas rolarem por meu rosto “perfeito”. No fundo, eu sabia que aquelas não eram lágrimas de felicidade por ganhar o concurso.. Eram lágrimas de cansaço.

Eu não sabia o que estava acontecendo comigo, mas estava me sentindo diferente.

O auge dos 20Onde histórias criam vida. Descubra agora