I - Tudo era bem mais fácil antes

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De Roseanne Park:

"Rosé sempre teve essa grande dificuldade de assumir seus erros, acertos e quantos cigarros havia fumado em um dia"


A garota passava apressada pelo beco escuro, estreito e cheio de sombras. Ali nunca houve iluminação a noite e isso deixava Rosé amedrontada. Mas aquele era um bom atalho para a casa de Jisoo e apesar do medo que apertava seu peito não o deixou tomá-la por completo. Toda mulher teve o mesmo sentimento ao andar desacompanhada à noite, não era exclusividade da menina de jeans desbotados e cabelos cor de fogo.

Suas mãos suavam frio e eram limpas a todo momento no casaco ou na aba do boné, sua visão também começava a ficar turva e a cabeça doía, teve que parar e respirar fundo algumas vezes, com medo de desmaiar, mas aquilo não era medo.

Ela não queria admitir o que era.

Park Rosé sempre teve essa grande dificuldade de assumir seus erros, acertos e quantos cigarros havia fumado em um dia. O que fazia com que ela se apegasse às poucas pessoas que conseguiam entender seu jeito meio desleixado, com os fones pendurados no pescoço, disposta a ouvir tudo o que Avril Lavigne lançava em meados de 2007.

O som dos carros e gente no fim do beco fez Rosé apressar o passo, para finalmente sair do escuro das ruelas que havia se metido. O barulho do centro chegou aos seus ouvidos, o burburinho alto e a movimentação habitual soando familiar. Ela sempre gostou de estar no meio de pessoas e letreiros led. A cidade fazia bem para a Park.

E a casa de Kim Jisoo ficava a algumas ruas à frente, ela não desviaria o caminho dessa vez.

Rosé e Jisoo eram amigas desde que a ruiva se lembrava por gente. Na infância Jisoo sempre foi uma unnie cuidadosa e prestativa, às vezes tão mandona e responsável que a deixava encabulada. Elas faziam tudo juntas, como duas gêmeas siamesas, de acordo com sua mãe, enquanto corriam pela rua tranquila da casa da Kim, os cabelos negros da amiga numa completa bagunça, as roupas sujas de terra e folhas pelas subidas nas árvores.

Rosé riu desse pensamento assim que atravessou a rua familiar, se fechasse os olhos podia sentir o cheiro de terra molhada e doce de banana que vinha de Jisoo. Cheiro de felicidade, quando tudo era mais simples e divertido. Um mal entendido era resolvido com beijinhos de desculpas, e um dia ruim era merecedor de uma maratona de Rugrats.

Mas a vida acontece e tudo muda de uma forma radical, os problemas aparecem, as pessoas crescem. Rosé dizia que Jisoo mudou muito depois da separação dos pais, mas não poderia ser hipócrita e não afirmar o mesmo sobre si.

Parou, receosa, na frente da casa da antiga amiga, e não soaria tão amargo se a casa dela também não fosse a mais antiga da rua. As flores bonitas, num tom azul desbotado - como tudo na vida de Rosé - enchiam o canteiro do pequeno jardim à frente da varanda. Se abaixou para pegar uma tulipa e a colocou entre a orelha e os fios ruivos, mesmo que as pétalas ficassem amassadas pelo boné, e precisou de alguns minutos para regular a respiração descompassada. Sua mente clamava, mandando-a dar meia volta e ir para o bar mais próximo dali, tinha uma identidade falsa no bolso e sua mãe achava que passaria o fim de semana na casa de Jisoo.

Sua mãe ainda acreditava que era amiga dela.

Mas acabou juntando diversas pedrinhas até encher suas mãos e começou a tacar uma por uma no vidro fechado do quarto da garota, a segunda janela das três que eram vistas no segunda andar. Quando as pedras estavam acabando já se contentava com a rejeição, no entanto, a janela foi aberta e Jisoo pode ser vista. Rosé sorriu com a cena. Os cabelos dela pareciam uma cortina negra, o rosto, em total confusão e surpresa, agora era emoldurado por uma franja, que deixava a mais velha com cara de criança de novo.

- O que faz aqui? - sussurrou Jisoo.

- Me deixe entrar e eu te conto! - gritou em resposta.

Jisoo fechou a janela bruscamente. Se não soubesse como era a morena teria achado que aquilo fosse um "não". A Kim não era boa com gracejos, era áspera apesar de parecer doce e ingênua.

Ouviu a tranca da porta principal se abrir e pulou o cercadinho da casa, tinha um sorriso bobo quando Jisoo apareceu, mesmo que ela não parecesse feliz em vê-la.

- Desculpa a bagunça, tenho que sair e não deu tempo de arrumar - disse Jisoo, assim que passaram pela porta do quarto dela. Ela mudou pouca coisa dali desde a última vez que a visitou. As estantes abarrotadas de livros ainda estavam lá, a grande cama que era ótima para as costas de Rosé também. A decoração de madeira escura remetia sempre a um cômodo digno de Hogwarts, mas não fez a piada daquela vez, ficou com medo dela não se lembrar.

-Para onde vai? Existe missa às onze horas? -perguntou, parando em um canto do quarto. -É só isso que posso imaginar para te ver saindo de casa a essa hora da noit-

- O que faz aqui? - indagou ela, novamente.

"Oras, não sabia o que fazia ali" quis gritar a plenos pulmões, queria perguntar a Jisoo se a sua compaixão com os fracos e oprimidos só servia quando o padre estava olhando.

Rosé estava ansiosa e chorou o dia todo, queria que a Kim fosse a mesma de antes e a abraçasse com seu corpo quente, que fizesse carinho em sua cabeça até dormir, que tirasse toda essa angústia do seu coração. Mas agora se sentia uma idiota, parada ali, cobrando coisas que ela não tinha mais a obrigação de fazer.

- O que aconteceu com você, afinal? O que houve com a antiga Jisoo? Foi por causa da Jennie? - aumentou algumas oitavas a voz, pelo bolo de ansiedade que corroía sua garganta. - Se for por causa dela eu posso resolver isso como da primeira vez... Eu só estou cansada e tão... sozinha, por favor, vamos tentar novamente e-

Se calou num rompante, um pouco de dignidade se perdendo nas palavras desesperadas. O suor descia pelo seu pescoço desnudo, molhando a gola da camisa, deixando-a ainda mais fodida do que já estava. As mãos tremiam visivelmente, mesmo que as escondesse dentro dos bolsos da jaqueta.

- Você não está cansada e sozinha, está chapada. - Jisoo tinha aquele olhar duro, como se tivesse perdido as esperanças. - Vá para a casa, Roseanne, sem paradas, sem bares ou algo do tipo. Vá pra casa, tome um banho e durma. Amanhã tem aula.

Como se ainda não bastasse a mais velha caminhou a passos largos até a porta, abrindo-a num convite mudo, porém gritante, para que fosse embora.

Rosé ficou um tempo parada, segurando-se para não fazer uma cena como da última vez. Quem era Jisoo para lhe dizer o que fazer? Quando ela mesma estava saindo aquele horário? Quando ela tinha tantos segredos que nem poderia imaginar quais eram?

Não segurou mais as lágrimas, deixou que manchassem o rímel barato que usava, rolando livres pelas bochechas e as limpou com o braço das mãos pela vergonha.

A dor de não ser mais tão íntima de alguém que você costumava ser esmagava seu coração, deixando-o em pequenos cacos quebrados, que não conseguia juntar sozinha.

- Tenha uma noite proveitosa, seja que porra você vai fazer...

Bateu forte a porta do quarto quando foi embora. Saiu pelos cômodos como se uma pressão a fizesse ficar sem ar e assim que passou pela porta principal respirou fundo, prazerosa pelo vento fresco, tirando um maço de cigarros do bolso. As mãos tremiam tanto que demorou para conseguir acender, mas quando sentiu o gosto de menta na boca e pôde respirar a fumaça, todo o seu corpo se relaxou. Não tinha mais ansiedade ou suor, a vida não era uma droga como antes e teve até vontade de voltar e mandar Jisoo ir à merda.

Rosé sorriu, tirando a flor dos cabelos e jogando-a no jardim, andando para um bar que conhecia, próximo dali. Todo o esforço que fez para se afastar desses lugares estava indo por água abaixo, de novo.

E ela culpou Jisoo.



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Olá! Olá! Estou aqui de novo e não sei se vou flopar de novo (provavelmente) porém, bem vindos ao primeiro capítulo de O último ano do resto das nossas vidas, as atualizações serão sempre as segunda-feiras, e a história já está toda escrita :)


O último ano do resto das nossas vidasМесто, где живут истории. Откройте их для себя