12 - Húbris Contra Niilismo | Parte 2

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Capítulo 12

Conto 5 – Húbris Contra Niilismo



Tempo presente.

Em algum lugar do mundo, nos subúrbios de alguma cidade, Evagrius estava diante de um mendigo orgulhoso.

— Vou curar este homem — disse o caçador. — Mas de um jeito diferente.

— O que você vai fazer?

— Apenas veja.

Evagrius pôs as mãos novamente na cabeça de Carlos. Dessa vez seus poderes de manipulação mental não foram usados para ler sua mente, mas sim para induzir imagens nela. "Veja, Carlos, veja...".

Carlos voou. Voou para o alto, em uma velocidade jamais imaginada. Sentia o vento bater sobre seu corpo, incomodando em seus olhos. Seu cabelo sujo e sua barba longa e malcuidada ficaram arrepiados devido à alta velocidade. Até que, em algum momento, parou de sentir o vento. Ao abrir os olhos, Carlos enxergou a imensidão do vazio. Fitou as estrelas, a Lua, o Sol, e a Terra atrás de si. Continuou voando pelo espaço. E voou até que não avistasse mais a Terra, nem qualquer outro astro conhecido. Via apenas o brilho de milhares de estrelas o cercando. Então começou a ficar tonto. Carlos não sabia onde era embaixo, nem cima. Não sabia onde era Sul, nem Norte. Não tinha noção alguma de direção. Estava flutuando pela imensidão do cosmos, engolido pela escuridão do universo. Então avistou tentáculos.

Ao longe, distante de si, Carlos fitou um amontoado de tentáculos voando pelo universo. Observou que haviam asas de morcego abertas sobre a massa de tentáculos. Então viu que aquilo era uma criatura, um monstro abissal. Ele possuía membros, e deles saíam garras tão afiadas quanto uma espada. Suas asas eram tão grandes quanto um planeta. E seus tentáculos poderiam, facilmente, esmagar o Sol. Era uma grandiosidade inconcebível para a mente de Carlos. Ele ameaçou explodir em prantos, mas uma nova visão o fez perder sua reação. Ele fitou um exército de anjos se aproximando.

Os alados, trajados com armaduras douradas e reluzentes, carregavam consigo espadas de fogo. Eles combateram a criatura cósmica com bravura. Suas espadas cortavam seus tentáculos, apesar de muitos dos alados terem sido esmagados pela força da criatura. O monstro se defendeu com suas asas, enquanto revidava cortando os anjos ao meio com suas garras afiadíssimas. Carlos não entendia o que estava vendo. Era, de fato, um exército de anjos em um combate épico contra um monstro tentaculoso e alado de proporções cósmicas em meio à imensidão do vácuo.

Antes que pudesse refletir sobre o que vira, foi transportado diretamente para outro lugar. Num piscar de olhos se viu pisando sobre um chão de fogo e lava. Sentiu cheiro de enxofre. Parecia estar em uma imensa caverna, pois havia um teto vermelho sobre si. Ele percebeu que estava em uma cidade, mas as construções eram bizarras demais para ser alguma cidade conhecida. As construções possuíam topos abobadados, com coroas de espinhos de ferro ao redor. Então, de súbito, saíram das construções uma centena de criaturas tão horrendas quanto à que vira anteriormente. Eram do seu tamanho, mas com uma presença maligna aterrorizante. E percebeu que a maioria possuía chifres e asas de morcego, com caldas pontudas e pele avermelhada. Outros, no entanto, possuíam pele repleta de gafanhotos, patas de bode, ou até mesmo olhos de fogo. Carlos estava na Cidade de Dite, a morada dos demônios no Inferno. Eles o cercaram, lamberam seu corpo, e fizeram o engravatado surtar. Ele gritou de terror, e correu para longe dali. Então tropeçou e caiu em um buraco. Sua queda o levou a estar entre as nuvens.

Em queda livre ele observou uma montanha colossal no meio das nuvens. E então seu corpo flutuou e voou em direção à tal montanha. Atravessou as nuvens e se aproximou da formação rochosa e esbranquiçada, até se deparar com um enorme salão no topo do monte mais alto. Dentro do salão Carlos fitou três tronos. O trono da esquerda estava vazio. O trono da direita estava ocupado por um homem de pele negra e cabelos crespos e encaracolados. E no trono do centro... o trono do meio... entre os outros dois...

Carlos gritou.

Explodiu em gritos de desespero. Fitou algo que jamais deveria ter visto com seus olhos mortais. Sua mente não suportava tamanha grandiosidade que o universo possuía. Por ser um mero humano, era pequeno demais frente ao que havia lá fora. E aquele trono... o trono foi o máximo que poderia aguentar antes de ceder à loucura e ao desespero.

Carlos despencou novamente. Caiu entre as nuvens e viu seu planeta se aproximando cada vez mais. Até que seu corpo começasse a pegar fogo durante a queda, como se o engravatado fosse um meteoro caindo em direção à sua cidade. Suas vestes se queimaram. Estava novamente pelado. Pelado, e deitado sob um viaduto, cercado de ratos e sujeira.

Quando abriu os olhos, fitou Evagrius diante de si, e Gregório logo atrás do caçador. Carlos gritou e correu para longe dali, como se sua vida dependesse daquilo. Tropeçou, mas logo se ergueu. Atravessou a rua e permaneceu correndo.

O Espírito Caçador deixou aquele lugar fétido para trás, e andou rumo ao outro lado da rua. Gregório, o papa santificado, o acompanhou. Embora o santo não soubesse o que havia acontecido dentro da cabeça do mendigo, confiava que Evagrius havia curado a arrogância e o orgulho dele.

***

Carlos cansou de correr. Então caiu no chão, encostando suas costas na parede de alguma loja. Via pessoas andando ao seu redor, o vendo em estado deplorável. Mas não se importou com aquilo. Na verdade, não se importava com mais nada. Ele olhou para suas mãos, olhou tudo ao seu redor, e depois olhou para o céu, tentando se recordar de tudo o que vira há poucos minutos. Tamanha grandiosidade que vira. Tantos eventos, tantas coisas que o universo guardava e que os humanos não faziam a menor ideia. Carlos percebeu que sua existência não significava nada. Não havia pelo o que se orgulhar. O que ele era frente ao que vira? O que a humanidade era frente ao que havia no universo? O que seu próprio planeta era em meio à um universo tão caótico e horrendo? Carlos estremecia ao se lembrar do que seus olhos viram.

Logo uma mulher se aproximou dele e estendeu uma mão com um sanduíche. Carlos não pensou duas vezes. Pegou o sanduíche com suas mãos imundas e se deliciou com o alimento tão saboroso.



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Eu e minhas referências a Lovecraft, kkkkk

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Até o próximo capítulo!


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Foto da capa tirada por Lee Jeffries.

O Caçador de PecadosWhere stories live. Discover now