19 - O Pai da Mentira

23 6 8
                                    

Capítulo 19

O Pai da Mentira


Fora do Espaço-Tempo. Inferno.

Evagrius atravessou a enorme muralha, deixando o cenário avermelhado de fogo e sangue para trás. Agora estava diante de um mar congelado. Para onde olhava via apenas gelo. Sentia o frio... um vazio claustrofóbico. Era como se, mesmo o teto estando à metros de altura, e o horizonte fosse quase infinito, o vazio estivesse o sufocando. A névoa, a inexistência... Estava sendo esmagado pela presença maligna mais poderosa já sentida.

No entanto, ele não se amedrontou. Pelo contrário, o monge se manteve de cabeça erguida. Após experimentar tamanho poder, Evagrius se sentiu tão poderoso quanto o anjo à sua frente. Lúcifer não se moveu, nem fez questão de olhar para o responsável pela quebra da muralha. O monge, no entanto, tomado pela insanidade, decidiu enfrentá-lo sem temor.

— Eu superei todos os obstáculos pra chegar aqui... — disse, de frente para o arcanjo do mal sentado em seu trono. — Me deixe sair.

Não. — Lúcifer nem se deu ao trabalho de o olhar nos olhos.

— Por quê? Eu não sou um pecador! Eu sou um servo de Deus!

Deus não liga pra você.

— Não me importa o que você pensa! — Evagrius gritou. — EU atravessei o Inferno! EU derrotei os gigantes! Nem o Inferno foi páreo para MIM! Portanto, eu EXIJO que me liberte!

Não. — Mesmo mantendo-se irredutível, Lúcifer se permitiu olhá-lo nos olhos. — Você está aqui porque EU ordenei que o trouxessem.

O arcanjo ergueu-se de seu trono, abrindo suas enormes asas negras, contrastando com sua pele pálida. Ao andar para mais próximo do monge, o viu recuar alguns passos.

— Era pra eu ter sido perdoado...

E você foi — disse Lúcifer, se aproximando ainda mais. — Você foi perdoado no Egito... — Parou ao lado do monge, então disse em seu ouvido: — Eu ordenei que Morte o trouxesse aqui. Digamos que ela me devia um favor. — Viu o monge recuar mais alguns passos. — Eu precisava que você atravessasse o Inferno, Evagrius. Você precisava sentir de perto a presença maligna da podridão do universo. Agora você está mais poderoso do que antes. Veja o que foi capaz de fazer para chegar aqui! — Exibindo um sorriso um tanto quanto maníaco, Lúcifer apontou para a muralha, de certa forma satisfeito com a destruição.

— Por que me trouxe aqui?

Você, Evagrius, é um sensitivo. Nasceu com um dom, assim como muito humanos. Mas você é do tipo especial! — Lambeu os beiços, sorrindo para o monge. Começou a andar em volta dele enquanto falava. — Você tem a capacidade de manipular as almas e as essências pecaminosas... Eu pude sentir isso assim que você nasceu. Por isso eu fiz de tudo para treiná-lo.

— Me treinar? — Evagrius, recuando mais alguns passos, lembrou-se de sua vida como quem ouve histórias de terror à beira de uma fogueira.

Eu o fiz deixar os estudos para tornar-se pregador.

— Você não é capaz de fazer isso. — O monge, num espasmo de ceticismo, encarou o arcanjo.

Não? Então me diga... quem você acha que manipulou a mente do cobrador de impostos para odiá-lo tanto? Quem você acha que enviou aquele demônio ao corpo do garotinho que você exorcizou?

— Isso não é verdade... — mais passos para trás.

Você sabe que é... — Lúcifer andou em sua direção. — Sabe que é verdade! — gritou, de olhos arregalados, exibindo dentes pontiagudos em um sorriso maníaco. — Nunca estranhou a série de coincidências que o levaram ao deserto do Egito? Sua fuga de Roma foi tão fácil...

O Caçador de PecadosOnde histórias criam vida. Descubra agora