Bloomingdale's

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Dois dias. Exatamente 48 horas para o primeiro dia de aula de Adeline.
Tentava não se torturar com isso e se concentrar na virada do ano, torcendo para que seu medo fosse embora quando os relógios no dia 31 de dezembro, anunciasse meia noite.

Sua casa, graças aos fiéis aliados de sua mãe, estava arrumada e organizada. Quem visse não imaginaria que haviam se mudado a uma semana, tudo estava decorado e perfeitamente encantador. Era um pedacinho de sua terra natal, nós adornos coloridos, nas cores e nos detalhes.
O senhor Rockfeller anunciou que passariam a virada do ano em uma festa exclusiva no Hotel Empire. Todos os políticos importantes estariam presentes e para seu pai seria a oportunidade perfeita de se incluir nas rodas políticas. Sua mãe sugeriu que saíssem depois do almoço para conhecer a cidade e comprassem uma roupa para a ocasião. Com Malaika, tudo era motivo para uma nova peça de roupa, que segundo ela trazia boa sorte.

Estava se aprontando para o passeio, enquanto pensava no quão sortuda ela era. Vira a miséria na África, o sofrimento de perto e sentiu em seu peito a vontade de poder ajudar e mudar o mundo. Respirou fundo e ajeitou seu sobretudo branco que cobria suas roupas e analisou as pernas cobertas pelas meias finas e a bota vinho de cano médio. Ficava bem de branco, destacava sua pele escura. Pois um par de brincos argola prateados e um gloss leve. Estava frio demais para produções excessivas, por fim, jogou seu cachecol igualmente branco sobre seu pescoço e achou suficiente para o clima.

Saiu de seu quarto indo em direção ao de seus pais, para ver se sua mãe estava pronta. Sorriu ao vê-la tão sóbria, estava acostumada a sempre ver a mãe com roupas exóticas e coloridas. E naquele momento usava um casaco parecido com o seu na cor azul marinho e botas pretas acima dos joelhos. Ficou em silêncio, vendo-a se encarar no espelho, incomodada. Pensou em dizer algo, mas se calou ao ver sua mãe entrar como um furacão no enorme closet de seu quarto. Curiosa demais para esperar, foi até sua mãe que encarava dois lenços.

- O verde escuro, combina com seu casaco. - opinou para sua mãe que lhe sorriu em resposta.
Malaika voltou-se para o espelho e começou a enrolar o lenço ao redor do coque de tranças que usava. Adeline sabia o quanto sua mãe presava suas raízes.
Lembrou de quando ouviu pela primeira vez a história de seus pais, o incrível romance que surgiu no colégio. Malaika e Boumani não tinham muito dinheiro quando se casaram aos dezoito anos, mas juntos batalharam e se formaram na faculdade. A mulher sempre apoiou o marido no sonho de ser embaixador, de mostrar ao mundo sua África. E com toda luta, os frutos que colheram lhes deu uma vida confortável e estabilidade financeira. Mas nunca, e isso era a parte favorita de Adeline, deixaram de se amar.

Assim que saíram de casa, sentiram o vento cortante do inverno, as decorações de natal espalhadas pela cidade a faziam parecer um enorme globo de neve.

- Está cidade é tão bonita, não é? Acho que seremos muito felizes aqui, Adeline. - disse sua mãe com feições leves em seu rosto. - Seu pai está contente.

- Sim, estava até pensando que parecemos estar em um globo de neve. - deixou uma gargalhada soar sendo acompanhada pela mais velha. - Também estou feliz.

- E é isso que nós importa, seu pai e eu só queremos o melhor para você. - sorriu Malaika observando as lojas ao redor. - Vamos a entrar naquela loja ali. - apontou para um prédio elegante  cujo letreiro dizia Bloomingdale's.

A temperatura da loja era muito mais agradável, então ambas retiraram seus casacos pesados.

- Boa tarde, meu nome é Francis, em que posso ajudar? - A atendente era alta e bastante simpática. Os cabelos tão claros que pareciam brancos.

- Bem, nós gostaríamos de ver seus vestidos para o réveillon. Por favor.

Francis assentiu e pediu para que a seguissem até as araras no interior da loja.

- Fiquem a vontade, qualquer coisa estou as ordens. - Disse por fim, retirando-se.

- Obrigada! - Respondeu Adeline olhando os inúmeros vestidos expostos. - Mãe, o que acha deste?

O vestido era longo, num tom suave de dourado com um decote discreto.

- É lindo, Adeline. Eu definitivamente amei. - Malaika já tinha em seus braços quatro opções diferentes. - Experimente logo.

Mãe e filha entraram em seus respectivos provadores, atentas em seus vestidos. Quando Adeline escutou algo que não pode acreditar.

- Você viu aquele troço horroroso na cabeça daquela mulher? - alguém disse um pouco distante.
- Claro, se eu tivesse um cabelo ruim como aquele, também taparia ele.
As duas mulheres riram e continuaram a conversa em um ponto mais distante.

Adeline saiu do provador furiosa, usado o vestido dourado e pés descalços, correu o olhar pela loja procurando quem quer que tenha dito aqueles absurdos. Seu olhar caiu em duas mulheres bem vestidas em seus terninhos engomados, que a encaravam.

- Com licença. - A jovem se aproximou. - Vocês estão com algum probleminha com minha mãe ou comigo?

- Não... porque mocinha? - A senhora de cabelos castanhos e pele clara olhava-a de cima em baixo.

- Porque? A senhora acha mesmo que eu não escutei o que disse? Sobre nós... - as palavras entalaram em sua garganta. O ódio tomando seu corpo inteiro.

- Não sei do que está falando, garota. - a outra mulher loira respondeu já se virando para sair. - Vamos.

Adeline no impulso segurou o braço da senhora de cabelos castanhos.
- A senhora vai repetir na minha cara o que disse ou está com medo? - Adeline viu pelo canto sua mãe saindo do provador com uma expressão confusa.

- Adeline... - Tentou chamar a filha mas fora interrompida.

- Agora não mãe, vamos sua perua horrorosa, repete na nossa cara. - a jovem cuspiu as palavras. - VAMOS!

- Quer saber, sua... sua... escurinha nos deixem em paz. Eu não sei nem o que gente da sua laia faz numa loja conceituada como está. - A mulher de cabelos castanhos desdenhou com a voz carregada de arrogância.

O cérebro de Adeline simplesmente se apagou e quando deu por si sentiu o rosto da mulher em sua mão.

- ADELINE - a Malaika gritou para a filha que acabara de estapear a mulher.
Despertou de seu estado inconsciente ao ouvir sua mãe. A garganta em brasas, tomada pela raiva e tristeza ao ouvir tamanho absurdo.

- A senhora não vai fazer nada com está trombadinha? Que tipo de mãe é você? - A loira estava histérica tentando acudir a amiga.

Malaika deixou uma gargalhada escapar olhando para a filha que mantinha sua mão suspensa no ar.

- Eu sou o tipo de mãe que ensinou minha filha a nunca abaixar a cabeça para racistas e gente baixa preconceituosas. E se a senhora ousar chamar minha filha de trombadinha novamente, quem vai te bater sou eu. - Malaika puxou sua filha pela mão indo em direção ao provador.  - troque de roupa filha, vamos embora daqui.

Os clientes da loja que até então estavam em silêncio, bateram palmas e gritaram palavras de baixo calão para as mulheres que estavam vermelhas de raiva.
Francis veio correndo pedindo mil desculpas e pediu para que as mulheres se retirassem do estabelecimento.

- Vocês me perdoem por está cena deplorável. - Malaika recuperara sua postura inabalável de sempre. - Nós vamos levar tudo. Não somos trombadinhas.

Adeline olhou para as duas senhoras racistas que já estavam próximas a porta. Com os olhos arregalados e expressão de choque.

A jovem Rockfeller se deixou sorrir e deu um breve aceno com a mão sentindo a satisfação e o orgulho se espalharem em seu sangue.

- Mãe, a senhora é minha rainha. - abraçou a mãe enquanto esperavam suas compras.

- Estou orgulhosa de você, Adeline. - Malaika sorriu enquanto saiam da loja com suas sacolas.

- Mas mãe, eu bati na mulher. - a jovem questionou sua mãe. - Eu não sei como ela não fez um escândalo.

- Meu amor, eu não sou a favor de violência, você sabe. Mas se tem algo que aprendi nesta vida, é que ninguém tem o direito de te menosprezar por sua cor. Você e eu somos o que somos e temos nossa própria beleza única. - a mãe acariciou os cachos da filha. - Então, sempre erga sua cabeça e assuma suas raízes.

Alex e Adeline Onde as histórias ganham vida. Descobre agora