XV. Histórias de Meyer

40 4 0
                                    

Grande felicidade é ter um filho prudente e instruído; 
mas, quanto a filhas, é para todo o pai carga bem pesada. 
Menandro, Os primos



Com a tarde voltaram Meyer, José Pinho e Pereira e, pouco depois, pois deles, três avelhantados escravos; estes dos trabalhos agrícolas, aqueles de grandes excursões entomológicas.

Vinha o mineiro meio risonho e em altos gritos acordou Cirino, que, deitando-se a dormir, sonhara todo o tempo com a graciosa doente.

– Olá, amigo! Olá, doutor! – chamou Pereira com voz retumbante. – Isso e que é vida, hein? Enquanto nós trabalhamos, eu e o Mochu do José, você está nessa cama de veludo!...

– É verdade – concordou o moço – Apenas os Srs. se foram, estendi as pernas e até agora enfiei um sono só...

– E o remédio da menina? – perguntou Pereira abaixando a voz.

– Ora, senhor, e eu que me esqueci!... Não faz mal... se ela não teve febre... Ah! Espere... agora me lembro!... Eu lho dei... estou ainda tonto de sono.

Riu-se Pereira.

– Estes doutores matam a gente, como se tosse cachorro sem dono... Num momento, lhes passa da cachola se deram ou não mezinhas e venenos a cristãos...

Vendo que Meyer saíra da sala, mudou repentinamente de tom prosseguindo em voz baixa e muito rapidamente:

– Então, sabe que o tal alamão levou todo o dia, só querendo puxar conversa sobre a menina?

– Deveras?

– É o que lhe digo... E... eu com as mãos atadas por aquele oferecimento de levá-lo a comer lá dentro!... Nada, nem que desconfie e se arrenegue dos meus modos... não me pisa em quarto de família... Deus te livre!...

Com efeito, à hora da ceia, Meyer manifestou surpresa de comer na mesma sala; não que tivesse motivo para desejar outro qualquer local; mas, metódico como era, gravara na mente a promessa de Pereira e, por delicadeza, supunha dever lembrar-lha.

As desculpas que o mineiro apresentou foram arranjadas de momento e ajudadas vitoriosamente por Cirino, carregando este com a responsabilidade de haver recomendado à enferma muito sossego, quase completa solidão.

De modo muito expansivo se manifestou também o reconhecimento de Pereira.

– Estou conhecendo – disse ele em aparte e apertando a mão de Cirino – que o doutor é homem sério e com quem se pode contar... Deixe estar... o Manecão há de ser amigo seu... Isso há de sê-lo... Pessoas de bem devem conhecer-se e estimar-se... Ora, veja o tal cujo... que temível, hein?... Não faz mal, há de ter o pago.

Se Pereira se mostrava contrariado e inquieto, muito pelo contrário parecia o naturalista nadar em mar de rosas.

– Sr. doutor – declarou ele a Cirino à mesa da ceia –, por muitos motivos estou em extremo contente com a minha estada aqui... Hoje achei mais bichinhos curiosos do que em todas as zonas por que tenho andado.

– Vosmecê nem imagina – interrompeu Pereira dirigindo-se para Cirino –, o que faz este senhor quando está dentro do mato. Ainda há de quebrar o pescoço nalgum barranco a que se atire, pois caminha com as ventas para o ar... Não sei como não tem ambos os olhos furados... não repara em galhos nem em nada... só o que quer e agarrar anicetos... Já o avisei umas poucas de vezes; agora, sua alma, sua palma...

Judiciosas eram as advertências do mineiro e bem cabidas; tanto assim que numa das tardes seguintes voltou Meyer todo arranhado e com um gilvaz tão grande, que imediatamente deu nas vistas de Cirino.

Inocência (1872)Where stories live. Discover now