Capítulo 11

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No instante em que Christian viu o ferreiro erguer a mão enorme contra Anastasia, teve a nítida impressão de que sua máscara começava a queimar. Era um ódio violento que se manifestava. Caso houvesse tempo para pensar, a intensidade de seu rancor o teria assustado.

A rapidez de sua maneira de agir ultrapassou a do raciocínio. Na fração de segundo seguinte, Christian imprensou o camarada contra a porta.

— Atreva-se a encostar um dedo nela, Gunner Shaw — ele literalmente rosnou —, e eu o farei arrepender-se até o fim de seus dias.

O tom da ameaça penetrou no cérebro embotado do ferreiro.

— Não, Lorde Lúcifer... sim, coronel Grey... senhor!

— E se cometer alguma violência contra a sua esposa — Christian acrescentou com gravidade, embora com voz menos ameaçadora —, não precisará de mim para lamentar o que fez.

Toda a raiva pareceu esvair-se do homem troncudo.

— Eu sei... senhor.

Christian soltou o braço de Shaw.

— Vamos dar uma volta.

Lorde Grey fitou Anastasia. Alívio e irritação travavam uma batalha sangrenta dentro dele.

— Fique aqui até eu voltar.

Anastasia anuiu com um aceno leve de cabeça. Assim que o ferreiro saiu de sua frente, ela apressou-se a acudir a sra. Shaw dentro da cabana.

Christian deteve-se no pátio ao lado da porta de entrada, sacudindo a cabeça. O ferreiro irradiava aflição e desgraça por todos os poros. O barão começou a andar devagar, e o ébrio acompanhou-o com passos pesados.

— É por causa de Waterloo, não é? — Christian nem precisava perguntar, pois ele mesmo sentia a aproximação agourenta daquele aniversário, como o avanço silencioso e inquietante de um eclipse.

— Um dia infernal aquele — o ferreiro grunhiu.

— Um inferno — Christian concordou com um suspiro e fez uma longa pausa. — Contou à sua esposa?

— Não. E nem quero.

— Eu sei.

Talvez lhe fizesse bem falar sobre o assunto. No começo seria tão doloroso como lancetar um furúnculo. Mas seria preferível mexer na ferida a permitir que o veneno continuasse a aumentar a infecção, como vinha acontecendo.

Sob a luz prateada da lua cheia, eles caminharam até a forja de Shaw, que não ficava muito longe da cabana, e Christian sentou-se em um banco de madeira rústica perto da entrada. Após uma ligeira hesitação, o ferreiro acomodou-se a seu lado.

Os dois homens ficaram em silêncio por algum tempo, escutando o coaxar das rãs de um pântano próximo. Christian refletiu se aqueles poucos hectares de terra cultivada na estrada para Bruxelas estariam mergulhados nessa mesma paz. Ou as terras estariam tão impregnadas de

violência, sangue e sofrimento que jamais seria possível haver descanso?

— Beber ajuda? — Christian teve curiosidade de saber.

— Mais ou menos. — O ferreiro deu de ombros. — Assim, diminui um pouco a impressão de que vou explodir.

Christian anuiu. Ele mesmo ficara tentado muitas vezes a embriagar-se. Sobretudo no começo, quando os ferimentos ainda estavam em carne viva. Contudo temera mais a perda do autocontrole do que conviver com os estímulos interiores que o conturbavam. Aos poucos, encontrara uma maneira de desligar-se de si mesmo, voando para as estrelas.

Lord Christian GreyWhere stories live. Discover now