Capítulo 19

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O que é isso? — Anastasia, intrigada, fitou o papel que Tibby mantinha estendido.

— Não sei, criança. — Tibby encolheu os ombros magros e arqueou as sobrancelhas ralas. — O vigário deixou para lhe ser entregue, enquanto a senhorita estava na casa da sra. Shaw. Não consegui espremer uma só palavra dele. O coitado parecia estar com medo de que eu o mordesse. Por acaso a senhorita discutiu com ele?

Anastasia pegou a carta das mãos de Tibby de maneira desajeitada, como se o papel fosse carvão em brasa.

— Eu, discutir com o vigário? Jamais.

Quanto a ferir os sentimentos dele, bem, isso já era outro assunto. Anastasia sentiu um nó na garganta e o estômago embrulhado. Não devia ter sido tão brusca na rejeição das propostas do reverendo. Mas não pudera suportar o que ele dissera sobre Christian. Sentira necessidade de retribuir a ferroada, o que não era seu hábito.

E lamentava as palavras ásperas.

Como o sr. Michaeljohn descobrira a verdadeira amplitude dos sentimentos de Christian, se milorde era tão avaro em demonstrá-los? Mesmo ela, que o conhecia mais do que ninguém, era obrigada a desvendar a verdade por meio de deduções pessoais.

Virou e revirou a carta nas mãos e passou a ponta do indicador no próprio nome escrito na placa de cobre. Se bem conhecia o sr. Michaeljohn, a carta devia conter desculpas pela ousadia de ter mencionado a admiração que sentia por ela.

— E então? — Tibby incentivou-a, com os olhos fixos nas folhas. — Não vai ler a carta? Só assim para saber o que está escrito.

— Sim, sim. — Anastasia abanou-se com o papel dobrado. — Primeiro vou tirar a touca e as luvas. Pode preparar uma xícara de chocolate para mim?

Dar a Tibby alguma coisa para fazer, sobretudo na cozinha, era sempre uma maneira eficiente de distraí-la.

— Estou indo. — Sem fazer mais comentários a respeito da carta, Tibby virou-se. — Quer torradas também, criança? Acabei de tirar uma assadeira do forno. Um passeio hoje deve ter esfriado os ossos. Precisa de alguma coisa para aquecê-la.

— Obrigada, Tibby. Adorarei comer torradas fresquinhas. — Anastasia desamarrou as fitas da touca, ao mesmo tempo que subia os degraus.

As fatias crocantes de bolo deviam ser divinas, se molhadas no chocolate espesso. Elas poderiam dar-lhe consolo, depois de ter lido a carta do vigário.

No alto da escada, Anastasia abriu a porta do quarto. Era bem menor do que o de Netherstowe. Ficava sob o declive do beiral do chalé, com uma pequena janela de onde se avistava a praça da aldeia. Mas era seu e Anastasia o adorava. Em Netherstowe, sempre se sentira uma estranha no ninho, por mais que se esforçasse para não pensar daquela maneira.

Jogou a touca e as luvas sobre a cama e sentou-se perto da janela, na pequena cadeira de braços. Os raios de sol

do outono atravessavam a cortina e deixaram a carta do vigário com sombras rendadas. Anastasia suspirou, tentando acalmar-se. Quebrou o lacre escuro de cera e desdobrou o papel.

Anjo da minha vida...

Com um suspiro, Anastasia deixou cair o braço, sem soltar a missiva. Será que o sr. Michaeljohn não escutara uma só palavra do que ela dissera na véspera?

Uma ponta reticente de remorso impediu-a de acender o fogo na pequena lareira e destinar aquelas folhas ao descanso eterno. Desanimada, passou à sentença seguinte.

Tenha misericórdia de um homem que a adora, mas não pode falar desse amor.

Em vez de suspirar, Anastasia gemeu de raiva. Por que ele parecia disposto a apelar para a sua maior fraqueza? Talvez o vigário a conhecesse melhor do que ela pensava.

Lord Christian GreyWhere stories live. Discover now