Capítulo 16

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Anastasia imaginara que sua vida não poderia ficar pior, depois daquela noite do falecimento do conde em Helmhurst.

Os Bulwick chegaram na véspera do funeral, convocados pelas cartas histéricas de Tibby que finalmente haviam recebido.

Clemmie e Cammie não esconderam a frustração por ter voltado mais cedo da viagem. Os pais demonstraram-se ultrajados pelo que acontecera em Netherstowe na ausência e sem a supervisão deles.

Lorde Bulwick mal entrou na mansão, fixou um olhar severo em Anastasia.

— É verdade que seu irmão comprou uma patente e partiu para a índia, sem ao menos despedir-se da família que o criou como filho?

Alguns meses antes, os olhos faiscantes do tio, as sobrancelhas ferozes e as bochechas vermelhas certamente a teriam feito gaguejar, derrubar talheres e tropeçar nos bancos. Mas ela se acostumara a enfrentar um caráter bem mais ameaçador. Além disso, em comparação com a perda do grande amigo e dos problemas que tivera com Christian, nada mais a perturbava.

— Eu também teria preferido que Miles houvesse ficado

na Inglaterra, meu tio. — O tom era respeitoso, porém não mais submisso. — Mas como era esse o seu desejo, eu me resignei em prol da sua felicidade.

Os Bulwick rodeavam-na como um comitê de inquisição, na mesma sala onde Christian lhe propusera o falso noivado. Embora a viagem deles nem de longe houvesse demorado tanto quanto ela gostaria, Anastasia tinha a impressão de que havia passado muito tempo desde aquela tarde de primavera.

— O menino poderia, pelo menos, ter esperado para pedir a minha opinião. — Lorde Bulwick largou-se em uma cadeira.

No corredor, servos corriam de um lado para outro, tirando a bagagem dos coches, com sussurros ocasionais entre os criados que acompanharam a família na viagem e os que haviam ficado em Netherstowe. Da cozinha, vinha cheiro de salsichas, enquanto Tibby se agitava no preparo do jantar tardio.

Bem-feito para Tibby, por sua intromissão, mesmo que bem-intencionada!

Anastasia inspirou fundo para acalmar-se.

— Apareceu uma oportunidade para meu irmão e ele achou que não poderia perdê-la. Acredito que Miles estava ansioso para aliviar meu tio da preocupação de ter de encaminhá-lo para algum emprego.

— O que está feito, está feito, lorde Bulwick — Tia Hester declarou, enquanto se abanava na poltrona favorita.

Depois da morte do conde, os belos dias de verão haviam se escondido. Chovia, às vezes em lágrimas suaves, em outras, em soluços tempestuosos. Naquela altura, uma chuva constante batia na janela aberta. Mas nem a corrente de ar aliviava o calor pesado dentro de Netherstowe.

Apesar de desgostosa, lady Bulwick sorriu com ternura forçada para a sobrinha. Era a maior demonstração de afeto que já dedicara a Anastasia.

— É verdade que ficou noiva de lorde Grey, minha querida? Como foi que isso aconteceu? Se eu soubesse que ele pensava em casamento, teria mandado Clemmie visitá-lo.

Sentada languidamente no sofá ao lado da irmã, Clemmie torceu o nariz pequeno e atrevido.

— Eu casar-me com Lorde Lúcifer? Mamãe, não pode estar falando sério! — Ela e Cammie estremeceram em conjunto. — Ficar enfiada no campo? Nunca ir a Londres, a Brighton ou mesmo a Bath? Ora, seria melhor enclausurar-me em um convento! Pelo menos lá, eu não teria de suportar as atenções de uma criatura tão repulsiva.

— Lorde Grey não é repulsivo! — Assim que acabou de falar, Anastasia sentiu-se culpada.

Ela fizera Christian sentir-se repugnante quando recuara ao vê-lo sem máscara. Lembrou-se das suturas pálidas das cicatrizes, da face dilacerada pelo tiro, da sobrancelha destruída. A aparência de Christian não a teria chocado tanto, não fosse o contraste enorme dos ferimentos com as linhas perfeitamente esculpidas da outra face.

Lord Christian GreyWhere stories live. Discover now