Capítulo 20

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Christian socou o travesseiro e desejou que fosse o próprio rosto.

Ouviu a distância os sons das atividades diurnas que deveriam tê-lo feito adormecer — passos leves e murmúrios de vozes. Naquela manhã não surtiram efeito e nem o distraíram dos pensamentos que o preocupavam.

Pela primeira vez, desde que começara a planejar uma união entre Anastasia e o vigário, uma idéia martelava na sua mente. Poderia estar fazendo a coisa certa, mas por razões totalmente errôneas. Aliás, nem mesmo poderia afirmar que tomara atitudes corretas.

Arrependia-se de ter tirado Michaeljohn tão cedo da cama naquela manhã, em um horário em que a maioria das pessoas, exceto ele, ainda estavam adormecidas. Mas não resistira à vontade de fazer com que Anastasia lesse o que ele escrevera. Não agüentaria esperar até a próxima visita do vigário a Helmhurst. Já fora um sacrifício grande não ir até o chalé e ficar espiando pela janela para observar-lhe a leitura.

Na volta a Helmhurst, a roda esquerda do cabriolé batera em uma pedra. Por sorte, o acidente ocorrera perto da forja de Shaw. O ferreiro estava acordado, trabalhando duro, a despeito da manhã ainda nem ter clareado.

— Bom dia, milorde. — O ex-artilheiro saudara o antigo coronel. — Prazer em vê-lo por aqui.

Shaw examinara a roda danificada e anunciara que poderia consertá-la em menos de meia hora.

— Milorde, não sei como eu poderia agradecer o que o senhor e a srta. Steele fizeram por nós naquela noite — o ferreiro falara, enquanto se concentrava em fazer funcionar os foles e em aquecer a roda na forja.

Christian murmurara qualquer coisa sobre agradecimentos desnecessários.

— O senhor pode achar isso, milorde. — Shaw tirou a peça de ferro do fogo com um par de pinças poderosas e transferiu-o para a bigorna. — Minha mulher já não agüentava mais. Estava decidida a pegar o menino e ir embora.

— Fico contente de saber que tudo entrou de novo nos eixos.

— Entrou mesmo, milorde. — O ferreiro ergueu o martelo e começou a bater no metal vermelho e quente para fazê-lo retornar à forma primitiva. As batidas, certeiras e fortes, espalhavam faíscas para todos os lados.

— Falar com o senhor naquela noite foi muito importante — Shaw ergueu a voz por causa do barulho provocado por sua tarefa. — Fez-me enxergar que eu não era o único que havia suportado o inferno da guerra. Seria um pavor se não tivesse aberto os olhos e estragado nossa vida por isso.

Christian anuiu com polidez, mas estremecia com as batidas, como se o ferreiro houvesse lhe arrancado a alma, atirado ao fogo e a martelasse junto com a verdade.

A guerra, e em particular a última batalha, remetera-o ao inferno. Quando Anastasia pretendera retirá-lo do fundo, ele oferecera resistência, temendo arrastá-la com ele. Não

fora por isso que se empenhara tanto em defender-se da atração?

Aparentemente satisfeito com seu trabalho, Shaw largou o martelo, abaixou a parte incandescente em uma gamela com água fria. Christian observou a água borbulhar e chiar, pensando que dentro dele o redemoinho estava ainda pior.

Duas horas mais tarde, o turbilhão ainda não cedera.

Estava muito cansado e confuso para decidir o que teria de fazer. Se pudesse dormir um pouco, talvez pensasse com mais clareza. Naquele momento, estava certo apenas de duas coisas. Uma, que amava Anastasia. A outra era que queria ficar ao lado dela e fazê-la feliz.

Mas não conseguia raciocinar na possibilidade de realizar as duas coisas ao mesmo tempo.

Durante um último e desesperado esforço para dormir, Christian sentiu notas discordantes nos distantes zunidos domésticos de seu lar. Uma voz alta. Uma porta batendo. Passos na escada, suaves e rápidos.

Lord Christian GreyOnde as histórias ganham vida. Descobre agora